SALVO POUCAS exceções, entre as quais uma notícia nesta Folha, passou despercebida da mídia brasileira pesquisa divulgada pelo IBP (Parceria Internacional sobre Orçamento), uma ONG com sede em Washington, situando o Brasil em oitavo lugar num ranking de 85 países que tiveram analisado o grau de transparência de seus Orçamentos. Ao registrar o desinteresse dos meios de comunicação, tão avidamente interessados quando se trata de rankings que colocam mal o nosso país, considero relevante destacar a posição obtida pelo Brasil. Sobretudo pela importância que isso tem para nossa imagem como país, em momento de intensa crise internacional, quando todos disputam a confiança do investidor estrangeiro.
De início, vale frisar que o Brasil ficou atrás apenas de seis países do Primeiro Mundo e de um único emergente -a África do Sul-, colocando-se muito à frente de todos os demais, inclusive Índia, Rússia e China. Entre os latino-americanos, fomos o mais bem colocado, muito à frente, por exemplo, do México e da Argentina. O resultado dessa pesquisa não me surpreendeu. Considero, até, que o Brasil poderia ter obtido posição ainda melhor. Isso porque ela foi feita com dados de até setembro de 2007, e o nosso país não parou de avançar em medidas de transparência.
De lá para cá, a Controladoria Geral da União (CGU) lançou novas formas de consulta ao Portal da Transparência, colocou na internet o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e criou o Observatório da Despesa Pública; vários órgãos lançaram suas próprias páginas de transparência; o Ministério do Planejamento lançou o sistema de controle on-line dos convênios, entre outros instrumentos. O nosso portal é hoje referência internacional e foi várias vezes premiado, inclusive pelas Nações Unidas.
Não é por acaso, também, que temos sido convidados para expor, em eventos internacionais, as medidas adotadas pelo Brasil nessa área: em julho último, no Conselho Econômico Social da ONU, em Nova York; em novembro, na sede do UNODC, em Viena; e em fevereiro será em nova reunião, desta vez em Doha, no Qatar, com um grupo seleto de não mais que 15 países. Na pauta, as melhores iniciativas mundiais em transparência e prevenção da corrupção, para subsidiar a próxima Conferência dos Estados-Parte da Convenção da ONU.
Ora, se o Brasil é convocado para oferecer cooperação técnica a outros países, além de receber sucessivas delegações que vêm conhecer nosso trabalho, é porque o país mudou de patamar no cenário mundial. E, como disse, em meio à atual crise mundial, a melhoria da imagem do Brasil é de crucial importância para aumentar não só a confiança dos investidores mas também o respeito dos demais governos ao Estado brasileiro -o que tem sido conquista diuturna da nossa política externa-, de modo que não se pretendam mais discutir as soluções para os grandes problemas do mundo ignorando o Brasil. Como se vê, a pesquisa do IBP não é fato isolado.
O Brasil vem sendo positivamente avaliado também pela ONU, pela OEA e pela OCDE quanto ao combate à corrupção, todos reconhecendo nosso esforço persistente nessa área.
Duas outras pesquisas recentes apontam na mesma direção. Uma delas, feita pela ONG chilena Latinobarômetro, mostra que 45% dos entrevistados reconheceram progressos na luta contra a corrupção no Brasil, percentual superior à média continental (38%); outra, realizada pela UFMG, com o Instituto Vox Populi, apontou que cerca de 75% dos entrevistados reconheceu que cresceu neste governo "a apuração dos casos de corrupção, que antes ficavam escondidos".
Observe-se, ainda, que a ênfase na prevenção não importou em negligenciar a investigação, a auditoria e a repressão. E, como resultado, já expulsamos quase 2.000 agentes -incluindo diretores, superintendentes, procuradores, auditores e outros altos funcionários- dos quadros do serviço federal, por práticas ilícitas, num combate inédito à histórica cultura da impunidade. Por tudo isso, cabe a pergunta: não será já a hora de abandonarmos velhos hábitos, de ficar repetindo, inercialmente, como mantras verdades de ontem que hoje já não correspondem à realidade? Como se o país nada estivesse fazendo contra a corrupção e a impunidade. Como se nada estivesse sendo feito em termos de transparência pública, quando o Brasil é visto hoje, no mundo, como um bom exemplo para outros países.
A quem interessa isso? A quem serve a atitude autodestrutiva da nossa imagem? Certamente não ao povo brasileiro.
JORGE HAGE , 70, advogado, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é o ministro-chefe da CGU (Controladoria Geral da União). (Folha de S. Paulo)