A operação Navalha da Polícia Federal (PF) pegou na carne dos partidos políticos, mais do que qualquer outra anterior. As ligações de políticos com a construtora Gautama, que está no centro das investigações, tornam este o escândalo mais elucidativo das relações entre poder público, empresas que têm interesse direto em obras, políticos e eleições. A despeito das tentativas feitas pelos deputados Júlio Delgado (PSB-MG) e Augusto Carvalho (PPS-DF), e as intenções declaradas pelo P-SOL, as chances de um caso como esse virar objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) são mínimas. A Operação Navalha, afinal, é o retrato da política tradicional brasileira. E atravessa o coração do Senado, que foi poupado no escândalo do mensalão e na Operação Sanguessuga.
A PF tornou tangível, ao longo das investigações, todo o circuito de negócios entre corruptos e corruptores - começa numa construtora com grande interesse em obras do governo federal ou pagas por ele, ou mesmo em obras estaduais, passa por funcionários estaduais e federais, assessores de parlamentares ou de ministros e pode chegar até a sala de um ministro. A operação não deixou nenhum dos grandes partidos de fora, da oposição ou da situação. Os interesses dos corruptores envolvem valores tão grandes que tornam a Operação Sanguessuga esquema de amador.
É mais um ponto para a PF, que desde 2003 fez 284 operações e prendeu mais de 5.200 pessoas, segundo Merval Pereira, em sua coluna em "O Globo" do último sábado. Do ponto de vista da moralização dos costumes, não há dúvida de que a PF está cumprindo o seu dever. O problema que se tem levantado, no entanto, é a eficiência dessas ações. Na medida em que chegam na fase processual, as denúncias somem nos escaninhos da Justiça e não se sabe se algum dos implicados terá punição efetiva. O exemplo mais lembrado é o escândalo da licitação da Ferrovia Norte-Sul no governo Sarney, quando o ministro dos Transportes era José Reinaldo Tavares. A fraude na licitação foi denunciada pelo jornalista Jânio de Freitas, da "Folha de S. Paulo". A despeito disso, Tavares, nas duas últimas décadas, desfrutou de liberdade e autonomia suficientes para fazer carreira política. Ele foi um dos presos pela Operação Navalha e libertado por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal no último domingo.
A Justiça deve ao país agilidade no julgamento dos chamados crimes do colarinho branco, mas é forçoso lembrar que essa inegável produtividade da PF teve nos juízes seus aliados. A PF não pode emitir ordens de prisão: nessa fase de inquérito policial, os pedidos foram autorizados pelo Judiciário, sob a suposição e que a liberdade dos presos poderia prejudicar as investigações. Partem dos juízes também as autorizações para quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico que, na maioria das vezes, são fundamentais para a formulação da denúncia e caracterização do crime.
Os problemas para a punição efetiva desses crimes, no momento da denúncia (que é feito pelo Ministério Público) e durante a fase processual (quando se tornam efetivamente processos criminais) devem ser seriamente encarados. Talvez possam ser resolvidos em grande parte com uma maior integração entre polícia, Ministério Público e Justiça. Outro grande instrumento que as três instituições - a de investigação, a de acusação e a de julgamento - possuem, e que é relativamente recente nessas operações, é a autorização judicial para o bloqueio de bens dos acusados até a devida responsabilização penal pelo delito. Esse artifício esvazia estratégias de defesa que consistem em utilizar de todas as possibilidades de recurso existentes no Código Penal e tornar o processo interminável até que os crimes prescrevam. Com os bens bloqueados, será de interesse dos próprios réus uma maior agilidade no julgamento dos crimes de que são acusados.
Mas, do ponto de vista institucional, a Operação Navalha tem o mérito também dar rosto e forma às relações entre o público e privado, historicamente mal resolvidas. Para eleitores e eleitoras, a questão é essa: está aí, escancarada, a relação tradicional dos políticos com os fornecedores do Estado, logicamente mediada pelo próprio poder público. Ela financia caixa dois de campanhas ou enriquece simplesmente as pessoas. Como a democracia brasileira pode reagir a isso?
A PF tornou tangível, ao longo das investigações, todo o circuito de negócios entre corruptos e corruptores - começa numa construtora com grande interesse em obras do governo federal ou pagas por ele, ou mesmo em obras estaduais, passa por funcionários estaduais e federais, assessores de parlamentares ou de ministros e pode chegar até a sala de um ministro. A operação não deixou nenhum dos grandes partidos de fora, da oposição ou da situação. Os interesses dos corruptores envolvem valores tão grandes que tornam a Operação Sanguessuga esquema de amador.
É mais um ponto para a PF, que desde 2003 fez 284 operações e prendeu mais de 5.200 pessoas, segundo Merval Pereira, em sua coluna em "O Globo" do último sábado. Do ponto de vista da moralização dos costumes, não há dúvida de que a PF está cumprindo o seu dever. O problema que se tem levantado, no entanto, é a eficiência dessas ações. Na medida em que chegam na fase processual, as denúncias somem nos escaninhos da Justiça e não se sabe se algum dos implicados terá punição efetiva. O exemplo mais lembrado é o escândalo da licitação da Ferrovia Norte-Sul no governo Sarney, quando o ministro dos Transportes era José Reinaldo Tavares. A fraude na licitação foi denunciada pelo jornalista Jânio de Freitas, da "Folha de S. Paulo". A despeito disso, Tavares, nas duas últimas décadas, desfrutou de liberdade e autonomia suficientes para fazer carreira política. Ele foi um dos presos pela Operação Navalha e libertado por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal no último domingo.
A Justiça deve ao país agilidade no julgamento dos chamados crimes do colarinho branco, mas é forçoso lembrar que essa inegável produtividade da PF teve nos juízes seus aliados. A PF não pode emitir ordens de prisão: nessa fase de inquérito policial, os pedidos foram autorizados pelo Judiciário, sob a suposição e que a liberdade dos presos poderia prejudicar as investigações. Partem dos juízes também as autorizações para quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico que, na maioria das vezes, são fundamentais para a formulação da denúncia e caracterização do crime.
Os problemas para a punição efetiva desses crimes, no momento da denúncia (que é feito pelo Ministério Público) e durante a fase processual (quando se tornam efetivamente processos criminais) devem ser seriamente encarados. Talvez possam ser resolvidos em grande parte com uma maior integração entre polícia, Ministério Público e Justiça. Outro grande instrumento que as três instituições - a de investigação, a de acusação e a de julgamento - possuem, e que é relativamente recente nessas operações, é a autorização judicial para o bloqueio de bens dos acusados até a devida responsabilização penal pelo delito. Esse artifício esvazia estratégias de defesa que consistem em utilizar de todas as possibilidades de recurso existentes no Código Penal e tornar o processo interminável até que os crimes prescrevam. Com os bens bloqueados, será de interesse dos próprios réus uma maior agilidade no julgamento dos crimes de que são acusados.
Mas, do ponto de vista institucional, a Operação Navalha tem o mérito também dar rosto e forma às relações entre o público e privado, historicamente mal resolvidas. Para eleitores e eleitoras, a questão é essa: está aí, escancarada, a relação tradicional dos políticos com os fornecedores do Estado, logicamente mediada pelo próprio poder público. Ela financia caixa dois de campanhas ou enriquece simplesmente as pessoas. Como a democracia brasileira pode reagir a isso?