segunda-feira, 21 de maio de 2007

Todas as fichas em Fátima

A Polícia Federal e o Ministério Público sabem que há duas chaves-mestras para decifrar todos os enigmas contidos no rol de fatos supostamente ilícitos que emergiram com a Operação Navalha. Zuleido Veras, empresário dono da Construtora Gautama, é o mais evidente deles. Na hipótese, considerada improvável, de Zuleido resolver falar a verdade e negociar uma delação premiada, possivelmente todo o esquema de fraude de licitações federais, estaduais e municipais cairia como um castelo de cartas. Mas não é numa repentina eloqüência do empresário que delegados federais e procuradores apostam. Eles põem uma razoável quantidade de fichas no depoimento de Maria de Fátima Palmeira, uma alagoana que cruzou os caminhos com a Gautama de Zuleido Veras quando era funcionária da Secretaria de Infra-estrutura do Estado de Alagoas, virou funcionária da empreiteira em Maceió e logo ascendeu à posição de diretora do grupo.

Sobrinha de Guilherme Palmeira, vice-presidente do Tribunal de Contas da União, Maria de Fátima estabeleceu uma relação intensa e direta com Zuleido Veras. Rápida e eficiente na construção de soluções que livrassem os empreendimentos públicos confiados à Gautama das auditorias federais e estaduais, ela passou a atuar em diversas pontas do esquema investigado pela PF e pelo Ministério Público. Uma leitura atenta das 65 páginas da denúncia que gerou a Operação Navalha revela a participação da diretora da Gautama em todos os eventos relacionados na peça acusatória. Ela é citada 28 vezes e surge tanto na articulação de possíveis fraudes de editais como no pagamento de propinas — caso do dinheiro entregue ao deputado distrital Pedro Passos (PMDB), aos sobrinhos do governador maranhense Jackson Lago e ao filho do ex-governador de Sergipe, por exemplo. Também é a ela que recorrem outros personagens arrolados na investigação quando há dificuldades operacionais contra a Gautama ou quando há demora na liberação de supostas propinas.

Na denúncia subscrita pelo procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza, e aceita pela ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça, Maria de Fátima Palmeira é descrita como “o braço-direito de Zuleido Veras e conseqüentemente da organização criminosa, ocupando posição de destaque”. De acordo com a decisão subscrita pela ministra do STJ, “no curso da investigação apurou-se que Maria de Fátima Palmeira participava efetivamente das negociações, servia de interlocutora entre os demais envolvidos e Zuleido Veras, além de ter sido intermediária na entrega de ‘propinas’”. E segue o texto: “Registram-se diversos encontros entre Fátima Palmeira e os agentes públicos que, mesmo com atuação periférica, integram a organização criminosa, encontros realizados geralmente para negociar o pagamento de propinas ou para entregar, aos beneficiários, os valores respectivos”.

Cela
Agentes federais envolvidos na investigação, e que pretendem tomar o depoimento de Maria de Fátima Palmeira na quarta-feira à tarde no STJ, apostam na fragilidade emocional da diretora da Gautama. Ela lhes foi descrita como uma funcionária eficiente, mas que sempre se manteve avessa à publicidade de sua vida pessoal ou profissional. Na carceragem da PF ela divide a cela com Teresa Freire Lima, secretária da Gautama. “Conheço a Fátima”, disse ao Correio um empresário que já disputou licitações junto com a Gautama e contra os interesses da empresa de Zuleido Veras. “Se ela falar, desaba tudo. É mais provável que ela, e não o Zuleido, tenha uma nítida relação da participação de cada um dos envolvidos. E como Zuleido é metódico e anota tudo o que faz, certamente a Maria de Fátima é a guardiã dessas anotações.” Maria de Fátima Palmeira não será a primeira a depor porque delegados e procuradores querem confrontar as versões dos demais com aquilo que ela falar — pretendem, a partir daí, coletar e elencar as contradições e concentrar as novas apurações no cruzamento dessas informações.

FOTOS DE ASSESSOR
Reportagem do Fantástico de ontem mostrou fotos da PF de encontro entre Maria de Fátima Palmeira, diretora comercial da Gautama, e Ivo Almeida Costa, assessor especial do Ministério de Minas e Energia (MME). A reunião ocorreu no dia 13 de março deste ano. A seqüência das imagens aponta para uma entrega de envelope, que, segundo suspeita da Polícia Federal, conteria propina. A gravação está relatada nos relatórios do inquérito policial remetido ao STJ. O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, disse ontem, no Paraguai, que não existe nada que o comprometa e afirmou que permanecerá no cargo até o momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quiser.

Vocabulário da fraude

Não fosse trágica por evidenciar a falta de pudor com que verbas públicas são tratadas como posses pessoais dos investigados, a maneira como os investigados na Operação Navalha dissimulam para evitar falar em “propina” e “comissões indevidas” seria cômica. As escutas telefônicas que integram a denúncia do Ministério Público mostram que havia quatro formas de mascarar a palavra “dinheiro” quando os personagens falavam ao telefone e precisavam se referir a pagamentos irregulares: a veterinária, a bibliotecária, a xerográfica e a documental.

A forma veterinária é a primeira a surgir na denúncia: em uma conversa entre o diretor financeiro da Gautama, Gil Carvalho dos Santos, e seu subordinado Florêncio Brito Vieira. Florêncio diz que “o parto” já havia sido realizado — referia-se a um saque de R$ 240 mil — e que já estava com “a cria” nas mãos — o dinheiro — e que precisava entregá-la para “o pai” — Paulo Lago, sobrinho do governador do Maranhão, Jackson Lago.

A forma xerográfica revela-se quando Maria de Fátima Palmeira diz a um funcionário seu que estava na sala do subsecretário de Infra-estrutura de Alagoas quando ele escreveu em um papel a quantidade de “cópias xerox” necessária para um processo. Para a polícia, “xerox”, no caso, era um eufemismo para dinheiro. Nesse mesmo diálogo fica claro que só será entregue “metade das xerox” — ou seja, 50% da propina.

A forma documental fica evidente em um diálogo entre Maria de Fátima Palmeira e Zuleido Veras, referente a um procedimento fraudulento em curso numa licitação em Sinop (MT), no qual a diretora da Gautama diz ao patrão que sem a imediata providência dos “documentos” — propina — não sairia nada da lavra da prefeitura municipal.

Por fim, a forma bibliotecária de maquiar a palavra dinheiro aparece na denúncia quando Maria de Fátima diz que está montando uma biblioteca com “muitos livros” — o que pode ser entendido por dinheiro, propina — mas que, por enquanto, tem poucos “volumes” — ou seja, menos dinheiro do que o necessário e combinado naquele caso. (LCP)

Isenção no trabalho

O ministro da Justiça, Tarso Genro, alertou a Polícia Federal de que não pode haver prejulgamentos nas investigações da Operação Navalha. Segundo ele, há várias políticos citados, inclusive presos, mas não se pode transformar as investigações num “inquérito político”. É preciso separar crimes e irregularidades de “maus costumes políticos”. A orientação é para que a PF continue trabalhando com isenção e cuidado para evitar vazamento de informações. O Planalto não gostou de ver nomes de petistas já citados, como o senador Delcídio Amaral. Delcídio deve discursar, hoje, no Senado. A PF vazou as informações de que o petista viajou num jatinho pago pelo empresário Zuleido Soares, dono da Gautama. O senador explicou que pediu a um amigo, o engenheiro Luiz Salomon, que alugasse um avião que pudesse levar a família Amaral a Barretos (SP) para para o funeral do sogro do parlamentar. O empresário confirmou a história e disse que para pagar o aluguel do avião pediu dinheiro a Zuleido.

Tarso disse que está acompanhando o processo nas linhas mais gerais. “Não pode ser um inquérito político e sim para apontar crimes e irregularidades. Não pode ser usado para colocar uma força política contra outra. Afinal, estão envolvidos os principais quadros políticos, dos mais distintos partidos e lideranças regionais”, afirmou Tarso. Ele disse não ter informações sobre envolvimento no caso do ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau.

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