No condomínio Marinas, em Bom Jesus dos Perdões (a 76 km de São Paulo), os moradores desenvolveram sua própria estratégia para monitorar o risco de inundação caso as represas do sistema Cantareira transbordem. Ficam de olho na casa do prefeito Calé Riginik (PSDB) para checar "se ele ainda está morando ali".
"Estamos assim, ó", afirma Remegilda Bueno, formando um binóculos com as mãos. "Se ele sair, sabemos que é melhor sair também."
O condomínio, de cem casas, amplas e com piscinas, consta do mapa de áreas em risco entregue pela Sabesp à Defesa Civil e que, para o governador José Serra (PSDB), deveriam ser evacuadas imediatamente. A prefeitura, contudo, diz que só pedirá aos moradores que saiam se a inundação estiver prestes a acontecer.
"Já ergui meus móveis duas vezes, por precaução, e um dia fui com a família para uma casa de amigos. Estou rezando para não chover. Mas, por enquanto, não acho necessário sair", diz Fátima, moradora há sete anos.
O Marinas, quase ao lado da rodovia Dom Pedro 1º, é vizinho ao rio Atibainha e cortado por canais que dão a graça ao local -permitem atravessar o condomínio em pedalinhos, canoas e caiaques. "Chamam aqui de Veneza brasileira", diz, ao portão do Recanto do Calé, a primeira-dama, Catarina.
Sobre as cheias, ela conta que "o prefeito já pegou um trator e derrubou o muro de um clube para que a água escoasse". Ele diz: "Coloquei uma bermuda e derrubei mesmo, porque me deram autorização."
Por enquanto, dizem os moradores, as informações chegam pela mídia. "Ninguém veio aqui falar nada sobre isso", diz o gerente aposentado Luiz Carlos Galvani, 66.
"Sabemos das informações pelos jornais, pelas conversas dos vizinhos. Está todo mundo preocupado, sabemos que a situação é grave. Se começar a ter perigo, pego o carro e saio daqui. Mas os móveis, geladeira, fogão, isso nem tem jeito de salvar", diz Galvani.
Os condôminos dizem que o local nunca inundou. Por precaução, compraram terrenos ao redor das casas, para aumento da área permeável. Ainda assim, recentemente, a água do rio subiu e chegou à altura da canela em alguns quintais. Uma das ações dos moradores foi levar os carros dali para o acostamento da rodovia, para evitar danos.
Gerson Coli, secretário de Obras da cidade, diz que uma decisão judicial de cinco anos atrás regularizou o condomínio, que começou, segundo ele, com ocupações irregulares, sem licenças dos órgãos devidos (como a Cetesb). "A Justiça decidiu que o local era regular, então fornecemos os documentos", diz Coli, que já ocupava o cargo na época.
Já o prefeito diz que o Marinas "sempre foi regular".
A poucos quilômetros dali, um loteamento batizado de Nova Veneza é um dos que já sofrem com a inundação. "Ali, ainda está tudo irregular. Há algumas famílias morando, mas o Ministério Público embargou novas construções", diz Coli.Folha