sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Maleta da discórdia


Imagem de Jobim sai arranhada depois que peritos da PF concluíram que os equipamentos da Abin não podem fazer interceptações. Mesmo assim, o Planalto considera remota a volta de Paulo Lacerda para a agência


O laudo do Instituto de Criminalística (INC) da Polícia Federal divulgado ontem que atestou que a maleta comprada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nos Estados Unidos é incapaz de fazer escutas telefônicas deixou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, numa saia-justa. Há três semanas, em reunião no Palácio do Planalto, Jobim defendeu em conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o afastamento do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, com o argumento principal de que a agência teria equipamentos para realizar grampos.

A reunião, que selou o afastamento preventivo de Lacerda da agência, foi convocada para avaliar a saída política dentro do governo depois da revelação de que uma conversa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, com o senador Demostenes Torres (DEM-GO) foi grampeada. Atribui-se a ação à Abin, que participara com agentes da Operação Satiagraha, deflagrada pela Polícia Federal em julho.

Posteriormente, Nelson Jobim confirmou tais declarações e passou a travar um confronto público com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Jorge Félix, a quem a Abin é subordinada. Anteontem pela manhã, Jorge Félix — já ciente de que o laudo da Polícia Federal isentaria a agência — jogou a batata quente para Jobim, dizendo que o ministro da Defesa era quem se pronunciaria sobre os equipamentos da Abin, comprados por uma comissão do Exército em Washington. O ministro da Defesa, que depôs horas depois de Jorge Félix na CPI dos Grampos, fez o primeiro recuo público. No depoimento, Jobim disse que, com base em papel retirado da internet, falou ao presidente que o equipamento poderia grampear a conversa das duas autoridades. Mas, para ter outro argumento que reforçasse a defesa da saída de Lacerda, criticou a participação da Abin na Satiagraha. “Havia um reconhecimento de que agentes estavam em desvio de função”, declarou.

Bem antes, o Exército já havia feito um parecer que revelava que o equipamento poderia fazer grampo. Como a Força é subordinada ao próprio Nelson Jobim, o Planalto optou por não divulgar o estudo — que traria ao ministro um constragimento ainda maior. Tentando se desvincular do caso, a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa informou ontem que esse assunto não diz respeito à pasta.

CPI no meio
No Congresso, a divulgação do laudo levou a duas reações. A primeira: Nelson Jobim falhou no episódio e Paulo Lacerda, afastado da Abin enquanto a PF investiga quem grampeou Gilmar Mendes, tem que retornar ao cargo. A segunda: o caso não isentaria os eventuais desvios da Abin de Lacerda. Adepto da cautela, o presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) anunciou ontem que técnicos da Universidade de Campinas (Unicamp) analisariam os equipamentos da Abin. Itagiba também aguarda o parecer do Exército.

O fato é que, para assessores diretos do presidente Lula, a avaliação política é que a volta de Paulo Lacerda está praticamente descartada. Desde o início da semana, circula nos bastidores nomes de novos diretores da Abin.

Estou preocupado com o aspecto político desta questão. Como se envolve uma agência de inteligência numa operação da polícia e depois a PF diz que não sabia disso?
Gilmar Mendes, presidente do STF

entenda o caso

A CPI
A suspeita de que os ministros do STF foram alvos de escutas ilegais surgiu em 2007 e deu origem à CPI dos Grampos na Câmara, criada em agosto do ano passado. Logo no início dos trabalhos, a comissão ouviu dezenas de pessoas e não conseguiu concluir que houve grampo contra autoridades da mais alta Corte Judiciária brasileira. Patinando, a CPI iria encerrar melancolicamente os trabalhos no fim de agosto, sem grandes revelações. Integrantes da comissão, principalmente da base aliada, se contentavam em propor apenas alterações legislativas para aperfeiçoar as escutas telefônicas — diga-se, as autorizadas pela Justiça. Os grampos ilegais continuariam à margem do processo.

Fôlego
Com a Operação Satiagraha (deflagrada em 8 de julho pela Polícia Federal, que em julho alvejou o banqueiro Daniel Dantas, preso duas vezes), a comissão ganhou os holofotes da política. Isso porque o presidente do STF foi quem concedeu os dois habeas corpus que tiraram Dantas da prisão. A CPI com isso decidiu prorrogar suas investigações até o fim de 2008. Deixou de ser uma CPI técnica, sem novidades, para tornar-se uma comissão com viés mais político. Antes da confirmação cabal de que o presidente do STF, Gilmar Mendes, foi alvo de grampo, o Supremo já havia levantado suspeitas de que o ministro teria sido monitorado. Pela primeira vez, a suspeita do grampo ilegal pairou sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Na ocasião, Gilmar tratou o caso com ironia: “Vou chamar a polícia?”

Denúncia
Reportagem da revista Veja, de 3 de setembro, acusou a Abin de grampear o presidente do STF, ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva, políticos do governo e da oposição, com base em informações de um servidor anônimo da agência. A publicação traz um diálogo entre Mendes e o senador Demostenes Torres (DEM-GO) em 15 de julho. Uma das hipóteses que será investigada é de que os grampos nos telefones de Mendes teriam sido feitos no rastro da Operação Satiagraha.

Desdobramentos
O escândalo resultou no afastamento temporário do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, e seus subordinados. Nomeado pelo presidente Lula, Paulo Lacerda assumiu a diretoria-geral da Abin no ano passado com a incumbência de exercer mais controle sobre ela. Ainda sobre os grampos, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, informou a Lula que o Exército adquiriu “maletas” por cerca de US$ 20 mil cada que possibilitariam interceptações telefônicas. A suspeita é de que equipamentos podem ter sido usados para grampear o presidente do STF sem deixar rastros. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Félix, argumentou que o equipamento não era usado para grampear telefonemas, mas sim para interceptar grampos, e pediu perícia. De acordo com os peritos da PF, as maletas da Abin não têm instrumentos para escutas telefônicas.

Uma relação “ilícita”
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que é ilícita a ação da Agência Brasileira de Informação (Abin) em investigações policiais. Ele afirmou estar preocupado com as conseqüências políticas da colaboração informal entre a Abin e a Polícia Federal sem qualquer tipo de fiscalização. No início do mês, a revista Veja revelou que Gilmar foi alvo de uma escuta telefônica ilegal. Foi publicado um diálogo entre o ministro e o senador Demostenes Torres (DEM-GO).

A notícia acabou revelando que a Abin ajudava o delegado Protogenes Queiroz na operação Satiagraha que investigou o banqueiro Daniel Dantas. “Certamente, a ação da Abin, uma agência apenas de inteligência e informação, como polícia judiciária, realizando investigação, atuando de maneira operacional, é completamente ilícita”, declarou Gilmar, completando: “Estou preocupado com o aspecto político desta questão. Como se envolve uma agência de inteligência numa operação da polícia e depois a PF diz que não sabia disso? Estamos diante de um fato raro, mas de profunda gravidade”.

O ministro lembrou que os agentes policiais têm suas atividades acompanhadas pelo juiz e por membros do Ministério Público. No entanto, quando agentes da Abin atuam informalmente em uma investigação, não estão submetidos ao controle de nenhuma instituição.

Gilmar teme que, com esse tipo de atuação, a Abin poderia se tornar uma organização com poderes ilimitados. “Os agentes da polícia, no dever de polícia judiciária, eles prestam contas ao juiz. Eles são acompanhados pelo Ministério Público. E os agentes da Abin? Eles estão atuando informalmente, de forma emprestada? Estamos diante de um fato de gravidade ainda não vista nesses 20 anos de Constituição de 1988. Isso sugere um descontrole”, alertou.

Perícia
Gilmar questionou a relevância do laudo da Polícia Federal que afirma que os equipamentos adquiridos pela Abin não são capazes de fazer escutas telefônicas. Ele ressaltou que a agência pode não ter encaminhado à perícia todos os equipamentos de que dispõe: “Isto diz pouco. Simplesmente afirma que as maletas que foram apresentadas, não sabemos se são todas as que a Abin dispõe, não teriam a possibilidade de fazer a interceptação. Também ninguém afirmou que a interceptação foi feita pela Abin, pela polícia, por pessoas contratadas. O que interessa é de fato aprofundar essas investigações (sobre quem grampeou telefones de forma ilegal).”

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