Apesar da radicalização da disputa interna em São Paulo, os tucanos planejam conversar depois do primeiro turno das eleições com a intenção de manter o PSDB unido. Essa é a disposição de José Serra, padrinho da candidatura do prefeito Gilberto Kassab, do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que apóia a candidatura do tucano Geraldo Alckmin a prefeito, e de gurus como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Dividido, o PSDB avalia que não terá chances contra o candidato do governo com apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2010.
A estratégia tucana - nem sempre lembrada pelo PSDB paulistano - está nas entrelinhas de uma declaração feita por Aécio sobre a disputa em São Paulo, na qual o governador mineiro defendeu o fim das hostilidades em São Paulo e afirmou que se eles (os tucanos) têm um projeto para o Brasil, ele passa pela aproximação do PSDB com o DEM e até com forças hoje situadas no campo governista. Essa é a estratégia; as escaramuças fazem parte da tática.
A disputa de fundo é na realidade entre Serra e Aécio, que estão em plena campanha pela maioria que indicará o candidato tucano para a sucessão de Lula em 2010. O PSDB acredita que tem perspectiva real de poder para daqui a dois anos - Serra ou Aécio - e avalia que não há alternativa: ou se mantém unido em torno dos dois ou vira uma federação de caciques regionais. Mas neste particular, não é páreo para o PMDB, que domina com maestria a tecnologia federativa.
A cada dia mais parecido com o PMDB, o desafio dos caciques tucanos é evitar se transformar na criatura a que renunciaram em 1988. No processo com vistas a 2010 é provável que o PSDB possa perder quadros, segundo avaliações internas, mas não se vê no horizonte a fuga de uma corrente expressiva para se abrigar ou fundar uma nova sigla, como ocorreu com Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, para citar só os pemedebistas paulistas, no fim dos anos 80.
O momento, segundo entende o PSDB, seria bem diferente daquele de 1988, quando, devido a uma grande incompatibilidade com o quercismo, um grupo de cardeais com prestígio e potencial - tanto que acabou dando um presidente da República - rompeu com o PMDB e fundou o PSDB. De parecido apenas o fato de que um grupo (os futuros tucanos) se sentia alijado e com o caminho bloqueado por outro (quercista) no PMDB. À época, era forte também a rejeição ética, o que, pelo menos por enquanto, não se verifica hoje a não ser por maledicências esparsas de um lado ou outro. Atualmente, tucanos e quercistas são sócios na candidatura kassabista.
Alckmin, de fato, tem alternativa ao PSDB, mas os tucanos são capazes de arrumar mais de uma razão para ele não se animar a deixar o partido. Uma delas: se Fernando Henrique Cardoso e José Serra deram o lustro intelectual, quem botou a mão na massa para formar o partido, no Estado, foi Geraldo Alckmin. Uma atividade intensa que chamou a atenção de Mário Covas sobre o médico e prefeito de Pindamonhangaba. Em resumo, Alckmin tem um patrimônio que dificilmente seguiria com ele, inteiro, para outra legenda: São Paulo é um Estado em que o PSDB está efetivamente enraizado.
A opção imediata de Geraldo Alckmin seria o PSB. O deputado Márcio França, presidente da seção regional da sigla, é um entusiasta da mudança, mas a cúpula é refratária. O ingresso de Aécio no PSB poderia ser uma senha para a debandada. Mas os movimentos de Aécio em direção ao governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, e do deputado Ciro Gomes, por enquanto, sinalizam mais para eventual tentativa de aliança em 2010 do que para a cooptação.
O PSB tem decisão tomada: ou terá candidato próprio em 2010, que seria Ciro Gomes, ou faz uma composição com o PT na condição de vice da chapa (fala-se em Eduardo Campos, mas o governador parece mais inclinado a pensar na reeleição). Além disso, o PSB decidiu que não ficará contra Lula na sucessão, o que é provável, a menos que se evapore a popularidade do presidente. E Lula já tem candidato: se não houver imprevisto na rota, ele será Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil, mãe do PAC e madrinha do pré-sal.
Criar um novo partido, para contornar a eventual indicação de Serra pelo PSDB, seria uma opção que colocaria Aécio na mesma trilha do avô, mas sem a mesma grandeza: Tancredo Neves rachou o PMDB e fez o PP para ganhar a Presidência dos militares e fazer a transição democrática. Não só as condições de hoje são outras, como é muito difícil criar um novo partido, especialmente a apenas dois anos da eleição - ou menos, pois é algo que só começaria a ser tramado a partir de março de 2009. O exemplo de Heloísa Helena e seu P-SOL é eloqüente demais para ser ignorado.
O jogo deve ser com os partidos que estão em campo. Lula aposta na divisão tucana ao incentivar Aécio a sair candidato pelo PMDB. Ao mesmo tempo procura manter os pemedebistas sob controle, de olho no tempo de TV do partido. O PMDB, que já tem a Pasta do pré-sal (Minas e Energia), pode efetivamente ficar com a Saúde, com a designação de Geddel Vieira Lima para o lugar de José Gomes Temporão e Eunício Oliveira para a Integração Nacional.
O presidente vai precisar do tempo de TV do PMDB em 2010, assim como Serra ou Aécio devem precisar do tempo do Democratas: São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife reiteraram a importância da televisão a eleição do "poste", quando alguns marqueteiros já diziam que a propaganda gratuita era uma fórmula esgotada que já não atendia as expectativas do eleitorado na tomada de decisão do voto.
A disputa entre Serra e Aécio só deve clarear à medida que 2009 avançar e forem caindo os prazos eleitorais - o prazo de filiação partidária, por exemplo, será no início de outubro do próximo ano. Para este ano, os tucanos avaliam que quem perder o primeiro turno da eleição em São Paulo enfia a viola no saco e apóia o vencedor, com ou sem muxoxos, até mesmo porque se estará falando praticamente da mesma fatiado eleitorado.
Enquanto isso, Serra e Aécio continuam com a disputa que hoje ocorre paralela às eleições municipais, sem as caneladas abaixo da linha de cintura que se vêem na disputa paulistana. Por ora, Serra investe mais em São Paulo - na hora do almoço, esta semana esteve em Botucatu, Guarulhos e Praia Grande - e promete ser mais ativo no segundo turno, seja Kassab ou Alckmin o candidato. De certa forma, Serra já mede forças com Lula no estado, mas dificilmente se licenciará do governo do estado para fazer campanha. Se tem algum problema com a movimentação de Aécio, não fala ou fala só para os mais íntimos. "Eu não vou brigar com o Aécio", tem repetido em suas conversas, como se fosse um mantra.
Aécio, por seu turno, desde o início da campanha tem evitado por os pés em São Paulo - o puxão de orelhas que deu nos caciques tucanos para que eles contivessem os soldados rasos da infantaria, em nome da unidade, foi uma exceção. Mas também uma emboscada na guerrilha a que se dedicam os dois tucanos. Enquanto Serra investe em São Paulo, o governador mineiro, que tem a retaguarda bem mais tranqüila, passou a semana agradando a grandes eleitores do Nordeste na convenção tucana que escolherá o candidato do PSDB a presidente.
Os dois deveriam estar juntos na segunda-feira em Maceió, para uma homenagem a Ruth Cardoso. À última hora, Aécio mandou avisar que não iria pois estava afônico. Serra, depois da homenagem, foi para um shopping fazer campanha para a candidata tucana Solange Jurema, que tem 6% das intenções de votos contra 81% do prefeito Cícero Almeida (PP).