Há algo de inédito, dramático, complexo e instigante no acelerado processo de mudança enfrentado pela mídia, do qual a crise instalada em diversos grupos espalhados ao redor do mundo dá conta de só uma parcela da questão. Nesta semana, duas companhias americanas, das mais robustas do planeta, deram exemplos incontestáveis do tamanho das dificuldades em formação no horizonte.
De um lado, o conglomerado Tribune Co. - que publica, entre outros, o Los Angeles Times e o Chicago Tribune - tornou-se a primeira editora a pedir concordata. O grupo tem uma dívida de quase US$ 13 bilhões e vem sofrendo com a retração dos anunciantes. (A concorrência da internet e a crise financeira internacional foram os dois principais motivos apontados para a contabilização das perdas.) Segundo informaram os porta-vozes do conglomerado, os jornais do grupo vão continuar a operar normalmente.
De outro lado, a New York Times Co., que publica o New York Times - o mais respeitado jornal do mundo -, informou que estuda hipotecar sua sede em Manhattan para pagar uma dívida de US$ 400 milhões. A idéia da companhia é conseguir um empréstimo de US$ 225 milhões por meio de uma operação imobiliária, uma vez que, em meio à crise financeira global, as portas do crédito e financiamento parecem cerradas. Como alternativa à espiral descendente em que se viram, acionistas do grupo têm pressionado por um maior investimento em ativos na internet.
Tais sinais, emitidos do epicentro da economia e da mídia, se não produzem uma das mais complexas tarefas a serem cumpridas por profissionais de comunicação, pelo menos antecipam as exigências postas à mesa dos tomadores de decisão desta área. As diversas e profundas janelas abertas pela revolução de tecnologias e costumes impõem à mídia um presente inquietante e um futuro desafiador: nos dois tempos, presente e futuro, a tarefa é adaptar-se a essa revolução conjugando saúde financeira e credibilidade editorial. A esta conquista estão predestinados não necessariamente os mais fortes, mas inegavelmente os mais rápidos.
As mudanças em curso caracterizam-se, por exemplo, pela veloz aproximação entre a chamada mídia jornalística e as novas tecnologias de informação. Assiste-se, com isso, ao desaparecimento progressivo dos desfiladeiros que ainda separam veículos de imprensa escrita, telecomunicações e entretenimento. A segunda mudança substantiva diz respeito ao meio de entrega da informação. Primeiro o jornal competia com outros jornais. Em seguida, com o rádio, a televisão e a internet. Hoje enfrenta a concorrência de prédios, kindles (plataforma de leitura eletrônica de livros, jornais ou busca no Google), elevadores, poltronas de avião, telas de plasma instaladas em táxis, celulares e todos os demais equipamentos capazes de fazer a seleção natural da notícia e do entretenimento.
Outra mudança singular diz respeito à forma de produção de conteúdo, entre as quais os modelos de mídia colaborativa, ou "wiki" (entre outras definições, trata-se da sigla a partir da frase em inglês what I know is...), parecem ser uma das mais notáveis. O mundo wiki constitui a manifestação bem acabada de ferramentas interativas, como os blogs, exemplos de uma forma de jornalismo que ajuda a multiplicar as fontes de acesso a conteúdos diversos - uma trilha que segue muito além da mídia tradicional.
Tais transformações, repita-se, tornam-se ainda mais relevantes e complexas quando expostas a um mundo tisnado por uma crise econômica, com a qual poucos ainda sabem como lidar - ou em que dará. É difícil reconhecer, por exemplo, qual o modelo ideal de negócios que vai imperar daqui para frente. Como toda indústria nascente, diga-se. O fato é que se está diante do que, na língua inglesa, se classifica de turning point, o momento-chave de transformação de uma realidade, de que a mídia é ao mesmo tempo protagonista e porta-voz. No limite, velha e nova mídia interagem numa sucessão de continuidade e ruptura, uma instigante e mordaz combinação na qual os critérios lineares de mensuração de audiência ou circulação também precisam ser revistos.
Se num país como os Estados Unidos esse processo é complicado, imagine-se no Brasil, onde a concorrência é imperfeita, as características oligopolistas predominam e o uso dos mercados acionários como fonte de capitalização ainda se revela incipiente. São dificuldades adicionais constatadas num terreno já antecipadamente movediço. Somadas todas essas evidências, extrai-se uma lição inevitável: a de que, mais do que nunca, criatividade, coragem e inovação representam a bússola para as empresas que desejarem sobreviver e se fortalecer.