O Supremo Tribunal Federal (STF) quer se proteger dos espiões. A Corte busca no mercado uma empresa que lhe forneça aparelhos capazes de codificar as ligações telefônicas de ministros e servidores — sejam elas por celular ou aparelho fixo. Tecnicamente, a parafernália se chama sistema de criptografia (leia ao lado). A compra, cujo valor ainda é segredo, ocorre após o escândalo do grampo do qual teria sido vítima o presidente do Tribunal, ministro Gilmar Mendes. A suspeita é a de que agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tenham sido os autores. Há um inquérito na Polícia Federal para investigar o caso.
A própria Abin desenvolve esse tipo de tecnologia de defesa para órgãos do governo federal. O presidente da República, ministros e vários dirigentes de estatais conversam por meio de telefones antigrampos entregues pela agência — mais de 1,2 mil já foram distribuídos. O Supremo, no entanto, busca na iniciativa privada um fornecedor. A abertura das propostas está prevista para hoje, às 14h30.
O equipamento que o Supremo pretende adquirir transforma o que foi dito ao telefone em códigos, que voltam a ser palavras quando passam pelo aparelho de quem está do outro lado da linha. Na hipótese de um grampo, seja ele legal ou clandestino, o autor só ouvirá um chiado. Ele pode até tentar “quebrar” o código, mas, segundo especialistas, não viveria o suficiente para concluir a tarefa.
A vulnerabilidade das conversas de ministros e funcionários da alta Corte passou a ser uma preocupação da direção do Supremo depois da denúncia de que uma conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demostenes Torres (DEM-GO) foi alvo de grampo clandestino. O crime teria ocorrido dias depois de o STF conceder, por duas vezes, habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, alvo da Operação Satiagraha, realizada pela Polícia Federal em 8 de julho.
Uma das linhas de investigação dos delegados encarregados de desvendar a autoria da tal escuta clandestina mira em agentes da Abin que colaboravam com o delegado Protógenes Queiroz, responsável pelo inquérito da Satiagraha. Até agora, passados quatro meses de aberta a investigação, não se tem um desfecho do caso. Mas ele deixou a Corte alarmada e preocupada com a segurança.
Segurança
Procurada ontem pelo Correio, a assessoria de Gilmar Mendes informou que a licitação do sistema de criptografia “foi uma decisão da administração para melhorar a segurança interna e institucional” do Supremo. Alegando razões estratégicas, o STF não repassou mais detalhes.
Desenvolvidos principalmente em Israel, os sistemas de criptografia são encontrados no mercado por preços que variam de R$ 1,2 mil a R$ 8 mil, segundo um revendedor de Brasília consultado pela reportagem. “As conversas estarão blindadas”, afirmou o especialista.
Mas nem tudo está seguro. De acordo com ele, há outras ferramentas disponíveis no mundo da espionagem que permitiriam o acesso a conversas reservadas. É o caso, por exemplo, dos aparelhos de escuta ambiental, espécie de supermicrofones que, adquiridos via internet por apenas R$ 500, conseguem captar diálogos a metros de distância, mesmo que a conversa se passe entre quatro paredes.
Saiba mais
Criptografar é codificar informações em dados aparentemente sem sentido para que pessoas não consigam ter acesso às informações que se deseja cifrar
Há vários usos para a criptografia: proteção a documentos secretos armazenados num pendrive, transmissão de e-mails ou mesmo conversas telefônicas. O sistema que o STF está adquirindo será utilizado no serviço de telefonia
No caso do telefone, a codificação ocorre da seguinte forma: as palavras de quem fala são transformadas em códigos tão logo caem na rede e, assim, são transmitidas ao aparelho do receptor, que decodifica o conteúdo e o transforma de volta em palavras
Se houve um grampo nesse intervalo, o autor da interceptação ouvirá apenas um chiado. Para ter acesso ao diálogo normal, ele precisaria do código
É preciso que a tecnologia esteja disponível de um lado e de outro da linha para que o sistema funcione. Do contrário, a conversa estará acessível como outra qualquer
Especialistas estimam que para alguém conseguir quebrar uma criptografia na base de tentativa e erro levaria cerca de 100 mil anos usando um computador comum
No mercado, predomina tecnologia importada de Israel. O equipamento costuma variar de R$ 1,2 mil a R$ 7,8 mil, segundo um revendedor de Brasília consultado pelo Correio
Sistema contestado
O PPS recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto presidencial que regulamentou o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). A lei permite à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) manter em seus quadros funcionários dos órgãos que compõem o sistema. Entre eles, estão Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central e as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).
Na ação, o partido pede a suspensão do parágrafo que permite aos servidores cedidos à Abin acesso às bases de dados de suas instituições de origem. De acordo com os representantes da legenda, “trata-se de nítida hipótese de ofensa do direito à inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados”. Para o PPS, a legislação confere à Agência “mecanismos que lhe permitem fazer uma verdadeira devassa na vida de qualquer cidadão”.
Devassa
Por isso, pede a inconstitucionalidade de dispositivos do decreto presidencial. O relator da ação no Supremo é o ministro Menezes Direito que, ao reconhecer a relevância do tema, dispensou a análise liminar do pedido para que a ação seja avaliada diretamente no mérito da questão.
O Sisbin tem sido um dos argumentos utilizados pelos defensores da parceria entre a Abin e a Polícia Federal na Operação Satiagraha. A ação policial, coordenada pelo delegado Protógenes Queiroz, contou com a participação de cerca de 100 arapongas que ajudaram a investigar as ações do banco Opportunity. As suspeitas do grampo ilegal no STF recaem justamente sobre esse grupo.