Um novo contrato que trouxe mudanças na estrutura de segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) mexeu com a suscetibilidade de servidores da Corte e causou desconforto em alguns ministros. Desde a última segunda-feira, os motoristas dos ministros ganharam a permissão de andar armados, atuando também como seguranças privados. A alteração, instituída por decisão do presidente Gilmar Mendes, pretende dar aos integrantes da Corte a opção de circular nas ruas com mais de uma pessoa responsável e capacitada para agir em casos de perigo.
As novas atribuições eram uma antiga reivindicação dos motoristas da Corte, que viam na medida a possibilidade de aumentar os salários. E, de fato, foi o que ocorreu na prática. Cerca de 20 funcionários receberam em média 50% de reajuste por acumular a nova função.
Apesar da possibilidade de intensificar a segurança, praticamente nenhum ministro optou por permitir que seus motoristas portem armas. De acordo com responsáveis pela empresa Esparta, fornecedora da mão de obra para o serviço, os integrantes da Corte encaminharam ofícios abrindo mão da medida e optando por permanecer apenas com os seguranças que já têm à disposição, visto que fazem parte do quadro efetivo de funcionários do Supremo e estão há anos na função.
De acordo com relatos dos próprios servidores do STF, os ministros não se sentiram totalmente confortáveis com a possibilidade de que funcionários terceirizados e novatos na atuação como seguranças tivessem a permissão de usar armas nas dependências da Corte. A assessoria do Supremo informou que, apesar da resistência da maioria, alguns vão, sim, optar pela novidade. Só não detalhou quantos optaram efetivamente pelo serviço.
Polêmica
Para conseguir acumular a função de seguranças pessoais privados dos ministros, os motoristas terceirizados indicados pela empresa Esparta passaram por um curso de 30 dias na academia de vigilantes. Depois de estudar tiro e técnicas de defesa, os condutores de veículos oficiais do Supremo Tribunal Federal receberam certificado autorizado pela Polícia Federal. De acordo com os responsáveis pela empresa de vigilância, também passaram por análise da vida pregressa(1).
Apesar do treinamento oferecido aos empregados da Esparta, os agentes do Supremo que fazem parte do quadro efetivo de pessoal criticam nos bastidores as novas atribuições concedidas aos motoristas. Segundo eles, para se tornar segurança de uma autoridade é preciso se submeter a anos de treinamento e a seleções rigorosas. O que, acreditam, não aconteceu com os terceirizados. Pelo menos levando em conta o rigor que eles julgam necessário.
A maioria dos servidores entrevistados pela reportagem alega que a mudança e a atribuição extra concedida a eles servem apenas como pretextos para que recebam o reajuste salarial. Os agentes de segurança do STF afirmam também que o uso de armas nas dependências do tribunal é proibido e criticam o fato de que os motoristas poderiam entrar pela garagem portando os armamentos e descumprindo as regras previstas no regimento interno do órgão.
1- Fiscalização da Polícia Federal
Os cursos de vigilantes são fiscalizados pela Polícia Federal. Os aspirantes à segurança privada se submetem a diversos testes e, se aprovados, recebem a Carteira Nacional de Vigilante. Esse documento só vale por quatro anos e é cassado caso o segurança cometa algum erro ou seja denunciado. De acordo com a PF, a área de segurança privada do órgão faz análise da vida pregressa dos alunos das academias e orienta-os sobre a proibição de portar armas fora do horário de serviço.
Memória
Sustos com criminosos
A preocupação dos ministros com segurança e o receio com os que fazem suas escoltas têm se intensificado ao longo dos anos, principalmente depois que alguns dos integrantes da Corte foram vítimas da criminalidade. Em dezembro de 2006, a então presidente do STF, Ellen Gracie, e seu vice, Gilmar Mendes, foram assaltados no Rio de Janeiro. Na ocasião, 10 pessoas armadas interditaram a Linha Vermelha e roubaram pelo menos dois carros. Em um desses veículos estavam os dois ministros, que tinham acabado de desembarcar na cidade.
Na época, o assalto mobilizou a cúpula do Ministério da Justiça, que criticou o fato de as autoridades terem viajado sem solicitar segurança especial da Polícia Federal. O setor de inteligência da PF do Rio de Janeiro abriu inquérito para apurar o assalto à comitiva.
Em junho do ano passado, Gilmar Mendes, já como presidente do Supremo, levou outro susto. Enquanto caminhava na Avenida Beira-Mar, em Fortaleza, um homem tentou roubar o cordão de ouro do ministro, mas foi impedido por um dos seus dois seguranças. O rapaz de 18 anos foi levado à delegacia. Por conta da repercussão do caso, o governo do Ceará anunciou a compra de 10 patinetes motorizados, cada um por R$ 28,5 mil, para serem usados por policiais em trecho de cinco quilômetros na região do assalto. A avenida onde ocorreu o episódio é uma das mais valorizadas da capital cearense.