segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Poder feminino na Procuradoria Geral

No cargo há pouco mais de dois meses, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tem surpreendido os colegas do Ministério Público Federal (MPF) ao colocar mulheres em postos-chaves na carreira. Começou com a escolha da subprocuradora Deborah Duprat para ser vice-procuradora-geral da República, após ela ter sido chefe do Ministério Público durante 20 dias. Depois designou a subprocuradora Sandra Cureau para atuar como vice-procuradora-geral eleitoral. Na quarta-feira, foi a vez de a subprocuradora Ela Wiecko ser eleita corregedora-geral do MPF após um apelo pessoal de Gurgel para que ela se candidatasse. Aceitou o chamado do adversário da recente disputa para comandar o MP.

"Me inscrevi por necessidade de serviço", afirmou Ela Wiecko. "(A escolha) não é nada glamourosa", avalia. Com glamour ou necessidade, o fato é que, pela primeira vez na história da instituição, três mulheres ocupam postos de destaque na carreira. Não fosse pouco, Gurgel manteve a mulher, a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques, para cuidar dos principais processos criminais perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Discreta, Cláudia ganhou prestígio depois de ter sido designada pelo último chefe do MP, Antonio Fernando de Souza, para comandar um grupo de procuradores durante as investigações do escândalo do mensalão, há quatro anos.

"Realmente tem havido um destaque para as mulheres", afirmou o ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro. "E o Gurgel é o campeão nisso", completou. Na década de 90, Brindeiro disse ter sido o primeiro a incentivar procuradoras a ocupar postos importantes. Escolheu Sandra Cureau para comandar a escola de formação dos procuradores em 2000 e, antes, colocou mulheres para chefiar procuradorias da República nos estados. A procuradora regional Janice Ascari tornou-se a primeira chefe em São Paulo, tendo comandado parte das investigações do superfaturamento do Fórum Trabalhista daquele estado.

Apesar do recente destaque, as mulheres estão longe de serem maioria na carreira e, por lá, jamais chegaram a comandar a instituição. Dos 922 integrantes da ativa, 269 são do sexo feminino - 29,17% do total. Em outros dois ramos do Ministério Público da União, a situação é bem diferente. No Ministério Público do Trabalho (MPT), as mulheres representam quase metade dos membros. Elas são 317 de 649 integrantes. O Ministério Público Militar, por sua vez, tem 75 integrantes, dos quais 29 mulheres (38,66%). Por designação de ex-procuradores-gerais da República, uma mulher chefiou o MPT e quatro, o ramo militar.

Disputa

Três subprocuradores afirmaram que a ascensão das mulheres aos cargos é uma decisão de Gurgel de se cercar de aliados em postos-chave, prática comum na gestão dos antecessores. Por terem independência funcional, os procuradores não têm chefe e podem, em tese, opinar em processos e abrir investigações caso considerem conveniente. No entanto, é o procurador-geral quem tem o poder de, na cúpula da instituição, designar quem atua no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo. Ao colocar pessoas afinadas com ele nesses cargos, Gurgel se livra de surpresas.

Uma consequência dessa prática é que os subprocuradores com mais tempo de carreira têm se sentido desprestigiados. Em retaliação, eles desistiram de participar de colegiados e câmaras de revisão de processos de colegas de instâncias inferiores. "Para que vou participar?", questiona um subprocurador que recentemente renunciou a importantes cargos. "Os colegas mais antigos não querem participar mais de nada", afirmou o subprocurador Moacir Guimarães. Para ele, não há nenhuma "excepcionalidade" no trabalho das mulheres que agora ocupam esses cargos. "Ainda vão ganhar experiência", disse. Geraldo Brindeiro defende as indicações. "É uma questão que transcende o fato de serem mulheres. São pessoas que têm se destacado na instituição", afirmou o ex-procurador-geral. Procurado por meio da assessoria de imprensa desde a última quinta-feira, Gurgel e as demais procuradoras não retornaram os pedidos de entrevista.

Radiografia

O Ministério Público Federal em números

922 procuradores da República

269 mulheres (29,14% do total)

17 subprocuradoras

58 procuradoras regionais da República

194 procuradores da República

Fonte: Assessoria de Imprensa da Procuradoria Geral da República

A subprocuradora Ela Wiecko tem um audacioso objetivo para os próximos dois anos, quando estará à frente da Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF): acabar com o que ela considera a pessoalidade do órgão. Nesse sentido, pretende aprovar o regimento interno da corregedoria para criar procedimentos claros na hora de cumprir suas atribuições. E não são poucas: propor a abertura de investigação contra os pares, acompanhar o estágio obrigatório dos novos procuradores e pedir a demissão dos colegas que não cumprirem com suas funções ao Conselho Superior, instância máxima da Procuradoria Geral da República. Desde 1988, o MPF jamais exonerou um procurador do quadro por causa de desvios.

Atualmente, não há prazos para o cumprimento de diligências de investigação. Falta também estrutura para acompanhar o andamento de inquéritos contra procuradores. Estão em curso na Corregedoria 25 apurações dos mais variados tipos. São 11 procedimentos preliminares, quatro sindicâncias, dois procedimentos administrativos e sete inquéritos administrativos.

Com a aprovação do regimento, em estudo no Conselho Superior, Ela Wiecko deseja dotar a corregedoria de uma estrutura de apoio. Com novas regras, ela quer começar em março do próximo ano uma ação inédita nas procuradorias da República nos estados e no Distrito Federal. "O meu plano é implantar uma corregedoria que faça correições", disse Ela Wiecko. Por correições, entenda-se levantamentos e diagnósticos para saber as deficiências em cada uma das unidades.

Em outra frente, a nova corregedora quer acompanhar mais de perto o estágio probatório dos 84 mais jovens integrantes do Ministério Público. Um procurador ganha direito a se aposentar a qualquer momento com ganhos proporcionais depois de dois anos na carreira. Ela Wiecko quer identificar nas visitas quais lugares precisam de mais procuradores que outros.

Banco de dados

Uma outra queixa da nova corregedora está na falta de dados que norteiem o trabalho. "Não temos informações, porque as estatísticas não são as mesmas nos estados e não são qualitativas", avalia Ela Wiecko. A subprocuradora pretende criar um banco com dados dos estados sobre casos disciplinares. Quer integrá-los a apurações em curso no Conselho Nacional do Ministério Público, que cuida dos ramos estadual e federal da carreira.

Para a nova xerife do MPF, a falta de punição para procuradores não é culpa da própria instituição. O investigado, segundo ela, tem direito a defesa e, em muitos casos, recorre à Justiça para suspender apurações. Além disso, a demissão do serviço público de um procurador só se efetiva por meio de processo judicial. "A lei mesmo dificulta a punição", afirmou a corregedora, para quem o Ministério Público tem feito o que pode para agilizar as investigações.

"Me inscrevi por necessidade de serviço. A escolha não é nada glamourosa"(Correio)

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