2010: Alijado de investimentos federais, Estado terá dois palanques governistas a enfrentar o resgate da era carlista
A menos de um ano das eleições, a política da Bahia ganhou nova configuração após o rompimento do PMDB do ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) com o PT do governador Jaques Wagner. Divididos, ambos os governistas enfrentarão o resgate da punjança do Estado sob a era Antonio Carlos Magalhães numa sucessão que deverá ser marcada pela ausência da Bahia como destino dos principais investimentos federais. É esse o discurso do único oposicionista, Paulo Souto, do DEM.
O rompimento entre o ministro e o governador deu-se no estilo de ACM, o cacique que desde o final dos anos 60 mandava e desmandava na Bahia: Geddel mandou deixar uma carta no protocolo da sede do governo estadual. Dos três pré-candidatos ao governo estadual, Geddel é o que mais incorpora, calculadamente, o jeito de fazer política de Antônio Carlos, morto em 2007. Wagner é o seu oposto. O candidato do Democratas, Paulo Souto, se dispõe a defender o legado de obras de ACM, mas não a assumir o estilo autocrático do cacique (leia entrevistas abaixo).
Além da nova configuração local, a eleição de 2010, na Bahia, deve ser um teste decisivo para a aliança nacional PT-PMDB, firmada na última terça-feira em jantar dos dirigentes das duas siglas com o presidente Lula, no Palácio da Alvorada. Na condição de um dos principais dirigentes pemedebistas, Geddel defende que o acordo seja flexível. Nos Estados onde for possível aos dois partidos apoiar a candidatura de um dos dois, "ótimo". Nos Estados nos quais for impossível reproduzir a aliança, os dois disputam localmente e sobem juntos no palanque de apoio à candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
"Geddelzinho errou desta vez", teria dito o presidente da República a respeito do rompimento, segundo versão difundida na Bahia pelo PT e outros adversários. A versão deixa irritado o ministro da Integração Nacional, que assegura nunca ter tratado do assunto com Lula, e que a ministra e candidata Dilma conhece bem sua posição.
Dos dois, Wagner é o que se dispõe a considerar uma reconciliação em favor do palanque único para Dilma. Mas impõe condições que, para Geddel, significariam rendição humilhante. "Eu fui até acusado de ser excessivamente paciente, aguentando as provocações que foram feitas", diz o governador.
Wagner diz reconhecer o papel que o PMDB teve para sua eleição em 2006. Mas deixa escapar um certo desdém quando lembra que, em 2002, sem o apoio de Geddel, teve cerca de 38% dos votos. Há três anos, além do PMDB, o petista contou também com o fator Lula - o presidente teve cerca de 80% dos votos da Bahia. A eleição de Wagner contra Paulo Souto foi decidida na última semana da campanha. Tanto que a virada em cima de Souto, então um governador muito bem avaliado, não foi detectada pelas pesquisas.
Souto é evidência dessa nova configuração da política baiana. Ex-pefelista agora no DEM, o ex-governador disputará o governo do Estado aliado ao PSDB do deputado Jutahy Magalhães. Inimigo jurado do carlismo, Jutahy se aliou a Souto após bem-sucedida articulação do governador de São Paulo, José Serra, pré-candidato tucano do qual é amigo. Uma boa medida do desentendimento entre os dois partidos na Bahia é a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994: Jutahy votou em Lula só porque FHC estava então aliado ao PFL de ACM.
A campanha na Bahia, antecipada a exemplo do que ocorre em nível nacional, revela a extensão das dificuldades que o pré-compromisso assumido entre PT e PMDB, semana passada, terá para ser consolidado nos Estados. Internamente, a nova formatação da política baiana se processa num ambiente de dúvidas quando ao futuro do maior Estado do Nordeste, dono do sexto maior PIB do país, algo em torno de R$ 120 bilhões.
Em comum, os três candidatos têm o diagnóstico: a Bahia carece no momento de infraestrutura que lhe permita enfrentar os desafios do futuro. A oposição credita à "fraqueza" do governo do PT - apesar de Wagner ser amigo e compadre de Lula - a perda de grandes investimentos. O governo do Estado põe o sucateamento da infraestrutura baiana na conta do carlismo, que, durante seus anos de domínio da política local, privilegiou um modelo de concentração do desenvolvimento no litoral, no eixo norte-sul, em detrimento do semiárido, região que constitui dois terços do território baiano.
"O que vem ocorrendo é que a Bahia perdeu o dinamismo na implantação de novos empreendimentos industriais", diz o diretor de Assuntos Econômicos do Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia, Sérgio Furquim. "O desenvolvimento do Brasil nos próximos anos estará diretamente vinculado aos investimentos do pré-sal e das siderúrgicas da Vale, e a Bahia está completamente fora desses mais dinâmicos segmentos da economia brasileira." O governo também é acusado de deixar escapar investimentos para Pernambuco (polo têxtil) e o Rio Grande do Sul (planta de etanol verde da Brasken).
A Bahia teme perder a onda do pré-sal e ficar de fora de grandes projetos como aqueles destinados ao complexo industrial de Suape e à refinaria Abreu Lima, em Pernambuco, estimados em mais de R$ 26 bilhões; ao complexo petroquímico do Rio de Janeiro; a uma refinaria premium integrada a um Polo Petroquímico e um porto de alta profundidade, no Maranhão, sem mencionar o Ceará, que planeja uma nova refinaria premium, orçada em R$ 11,1 bilhões e com capacidade de processamento de 300 mil barris/dia.
"Ao longo dos anos, os nossos governantes sempre tiveram alinhamento com o governo federal, e alinhamento forte", diz o secretário de Planejamento, Walter Pinheiro, numa referência a ACM, uma sombra que ainda hoje paira sobre a política baiana. "Se esse cara teve a vida inteira esse nível de relação, a Bahia era para ser a oitava maravilha. No entanto, não é o que acontece."
A resposta do atual governo baiano é mudar o eixo do desenvolvimento para o sentido Oeste-Leste do Estado, a ser rasgado por uma ferrovia de 1,1 mil quilômetros de extensão, da divisa de Tocantins até o Porto Sul, outro megainvestimento previsto para a região de Ilhéus, onde também será construído novo aeroporto. "Somado, o investimento chegará aos R$ 11 bilhões", diz Wagner. A licitação da ferrovia está prevista para janeiro de 2010. Ainda não passam de projetos o porto e o aeroporto que constituirão o "hub logístico" para resolver o gargalo existente nos principais portos baianosRaymundo Costa.