terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Conexão com os sanguessugas


A Fundação Aproniano Sá (FAS) recebeu recursos de nove emendas de parlamentares ao Orçamento da União ao longo de seis anos. Duas delas destinaram verbas para a compra de ambulâncias. O ex-deputado Múcio Sá (PTB-RN), que controla politicamente a entidade, responde a processo na Justiça por suposto envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Segundo a denúncia apresentada à Justiça pelo Ministério Público Federal, o ex-deputado “associou-se de maneira estável e permanente ao núcleo empresarial da organização criminosa, direcionando emendas de acordo com os interesses do grupo”.

A denúncia acrescenta que Múcio “recebeu na Planam, no mês de abril de 2004, seis pagamentos indevidos que variavam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, em razão do exercício de suas funções de direcionamento de emendas parlamentares”. O denunciado teria recebido os pagamentos por intermédio de “interpostas pessoas, como forma de dissimular a origem ilícita dos recursos que lhe eram transferidos”.

Reportagem publicada ontem pelo Correio mostrou que parte dos medicamentos e materiais adquiridos pela FAS, no total de R$ 5 milhões, não chegou às pequenas associações do estado. Presidentes dessas entidades relataram que “emprestaram” suas associações a prefeitos, que distribuíram os medicamentos no período eleitoral. Outra parte das entidades é dirigida por parentes de prefeitos e ex-prefeitos. Há muitos casos de entidades que não receberam nenhum medicamento ou que simplesmente são fantasmas, sem sede ou endereço oficial.

Emendas
Na cidade de Caiçara do Norte, a Associação de Desenvolvimento Comunitário foi usada como fachada pelo então prefeito José Edilson de Menezes, que distribuiu os medicamentos em ano eleitoral. O presidente da entidade, João Maria Siqueira, disse que assinou o convênio porque pretendia ajudar a comunidade do município, um dos mais pobres do estado. Em 2001, segundo dados do Ministério da Saúde, a mortalidade infantil atingiu 98 crianças por mil nascidas em Caiçara.

A maior parte dos recursos da FAS foi gerada por emendas da bancada do Rio Grande do Norte, formada por oito deputados e três senadores. Foram R$ 2,5 milhões, destinados à compra de equipamentos e materiais permanentes e custeio de unidade de saúde. O deputado Álvaro Dias (PDT-RN) apresentou três emendas aos orçamentos de 2004 e 2005, num total de R$ 1,48 milhão. Uma delas destinou R$ 360 mil para compra de ambulâncias. Uma das emendas de bancada reservou R$ 500 mil para a aquisição de unidades móveis. Desse total, R$ 430 mil foram executados. Também apresentaram emendas o ex-deputado Laíre Rosado (PMDB-RN) e o senador Fernando Bezerra (PTB-RN), líder do governo no Congresso.

As fraudes foram descobertas pelo Departamento Nacional de Auditorias do SUS (Denasus) e pela Controladoria Geral da União (CGU), que investigaram convênios gerados pelas emendas parlamentares. O relatório final informa que outra equipe realizou auditoria na Fundação Aproniano Sá com relação às unidades móveis. Foram constatadas impropriedades, irregularidades e indícios de fraudes nos processos. Essas auditoria encontram-se na fase de relatório. Não foi elaborada uma nota técnica porque todos os recursos dos convênios já foram liberados. Só serão tomadas providências para recuperar possíveis verbas desviadas após o encerramento da auditoria.

Bezerra ataca adversários

O senador Fernando Bezerra (PTB) creditou a adversários políticos, citando apenas o nome do deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB), o seu envolvimento na máfia dos remédios. Bezerra declarou que as denúncias vêm à tona exatamente no momento em que ele vem sendo cogitado para assumir a presidência da Infraero, cargo que interessaria a Henrique Alves. “Comenta-se que ele fez um acordo para ficar com a presidência da empresa. Sei que o deputado Henrique tem todo interesse pela Infraero, não o de homem público, como eu, mas outros interesses”, acusou.

O prefeito de Portalegre, Euclides Pereira de Souza (PMDB), afirmou ter conseguido medicamentos da Fundação Aproniano Sá por intermédio do senador. Bezerra argumenta que destinou as emendas “em atenção ao amigo e então correligionário Múcio Sá”. “As emendas foram aprovadas, e a prerrogativa de fiscalizá-las é do Ministério da Saúde. Mas não sou fiscal do governo, sou senador”, afirmou.

O ex-deputado Laíre Rosado (PMDB-RN) afirmou que destinou apenas uma emenda, época em que a Aproniano Sá funcionava dentro da vila de trabalhadores da Mossoró Agroindustrial (Maísa), empresa da família de Múcio Sá. Laíre afirmou que a fundação era responsável pelo atendimento médico e odontológico das mais de 5 mil pessoas, e que sua emenda foi uma forma de agradecer a votação expressiva que recebeu na localidade. “A prefeitura não fazia atendimento”, declarou. A reportagem não localizou ontem Múcio Sá. O deputado Álvaro Dias estava com os celulares desligados.



Auditores apontam falta de controle


Nota técnica conjunta do Departamento Nacional de Auditorias do SUS (Denasus) e da Controladoria Geral da União (CGU) mostra que eram fortes as evidências de fraudes na atuação da Fundação Aproniano Sá (FAS). Foram encontradas notas fiscais suspeitas, já enviadas aos órgãos competentes para verificação. Existem várias notas fiscais da mesma empresa com números diferentes, com os mesmos itens, quantitativos e valores, emitidas na mesma data, no mesmo processo de prestação de contas.

Nos planos de trabalho dos convênios e das doações feitas para pequenas associações, a maioria dos anexos são iguais, tanto em tipos de materiais e medicamentos quanto em quantidade de itens. Isso mostra que não foi realizado nenhum levantamento das necessidades de cada entidade e das famílias carentes a serem atendidas. As prestações de contas feitas pelo Ministério da Saúde não levaram em conta aspectos como o cumprimento do plano de trabalho e do objeto dos convênios, a devida utilização dos recursos e a eficácia da ação. Foram aprovadas sem ressalvas. Não foram realizadas verificações de acompanhamentos nem mesmo por amostragem nas 90 entidades que receberam as doações.

No município de Caicó, houve fiscalização do convênio para aquisição de equipamentos e material permanente posteriormente cedidos para a Fundação do Seridó Central (Fusec). Alguns dos equipamentos constantes nas notas fiscais não foram localizados. Os dirigentes da FAS informaram que cederam os equipamentos porque enfrentavam dificuldades financeiras e não estavam prestando atendimento. Mesmo assim, continuaram firmando convênios em que utilizavam as mesmas justificativas dos processos anteriores.

Descontrole
Os auditores também encontraram absoluta falta de controle na entrada e saída de medicamentos e materiais na fundação. “A FAS não exige nenhum tipo de prestação de contas dessas entidades para liberação de outras remessas de medicamentos e materais”, diz a nota conjunta. Além de não haver qualquer tipo de controle de entrada e saída de medicamentos no almoxarifado da entidade, não há registros que comprovem o recebimento dos medicamentos. Também não foi apresentado qualquer tipo de registro contábil e financeiro da aquisição dos medicamentos e materiais hospitalares. Para os auditores, listas com materiais como scalp e luvas cirúrgicas demonstram “a total falta de compromisso e responsabilidade até no preparo de materiais fornecidos para essas entidades”.

No contato com os presidentes das pequenas associações, os fiscais registraram que muitas entidades sequer pediram medicamentos e materiais à Fundação Aproniano. Grande parte não tem, em seu objetivo estatutário, a “prestação de serviços na área de saúde”. Alguns representantes das entidades informaram ter recebido um kit básico. Quando lhes foram apresentados os termos de doação com a lista anexa, informaram que jamais haviam recebido aqueles quantitativos. Eles possuíam somente a cópia do termo, sem a lista anexa de medicamentos.

O presidente da Associação das Pequenas Comunidades Rurais de Portalegre, no alto oeste do estado, Hermes Dias Sobrinho, mostrou ao Correio uma cópia do termo de doação, sem qualquer lista de medicamentos. “Não deram uma descrição dos medicamentos. Entregaram caixas fechadas”, informou Hermes. (LV)


Não deram uma descrição dos medicamentos. Entregaram caixas fechadas


Hermes Dias Sobrinho, presidente da Associação das Pequenas Comunidades Rurais de Portalegre, explicando que a Fundação Aproniano Sá entregava medicamentos sem especificar quantidades

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