O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem, durante a cerimônia de instauração do Foro de Governadores e Prefeitos do Mercosul, evento que acontece paralelamente à Cúpula dos Chefes de Estado do bloco, uma maior integração entre os países da América Latina e da América do Sul. Em seu discurso, Lula cobrou um tratamento diferenciado aos países mais pobres do Mercosul e "coragem e competência política dos líderes sul-americanos para assegurar o êxito da integração regional".
Foi uma resposta indireta ao presidente da Argentina, Nestor Kirchner, que é contra o tratamento diferenciado no Mercosul de países menores, como Bolívia. Sobre o acordo comercial e de investimentos que o Uruguai negocia com os EUA, Lula foi taxativo: "Eu sempre ouço dizer que é melhor acordo com os EUA do que com o Brasil. Talvez no imediato pode ser (sic). Mas esse continente já tem muitas frustrações. Precisamos apostar um pouco mais em nós."
O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e Venezuela, e que tem como países associados Bolívia, Chile, Equador, Peru e Colômbia, passa por um momento de divergências entre alguns membros e enfrenta cobranças dos países menores para reduzir assimetrias. Lula não acredita que o Brasil ficará numa posição isolada durante o encontro por defender um tratamento diferenciado aos países menores.
"Estou convencido que se olharmos para a balança comercial dos países da América do Sul vocês vão ver que foi acertada a nossa decisão de acreditar na integração e fortalecer o Mercosul. Não resolvemos todos os problemas, porque temos problemas de assimetrias entre os países e desigualdades muito fortes nas economias entre os países. E a minha tese é que os países mais fortes têm que ser mais generosos, ter políticas para ajudar os países mais pobres. Foi assim que a União Européia conseguiu ajudar o desenvolvimento da Espanha, de Portugal e da Grécia. Este é o gesto que os países maiores têm de fazer. A segunda coisa é que a integração tem de ser total: ela tem de ser cultural, política, econômica e social", disse Lula, que acredita que o Brasil e a Argentina têm um papel importante no crescimento do Mercosul por serem as duas locomotivas do bloco.
"É um desafio gigantesco e vamos precisar de despojamento", disse. "Eu não quero tudo para mim. Eu quero apenas tudo o que preciso. Nós só iremos consolidar a integração no dia que percebermos que, sozinhos, os países das Américas do Sul e Latina não terão como crescer."
Lula considera extremamente importante a mudança do perfil ideológico que a América Latina tem sofrido nos últimos anos. "Os empresários sabem fazer o seu trabalho. Os governantes é que precisam evoluir e saber que temos de atender aos interesses de outros países, em vez de achar que só os nossos interesses têm de ser atendidos. Estou convencido de que se cada um de nós fizer uma reflexão do que aconteceu na América Latina nos séculos 20 e 19, vamos ter a compreensão de que precisamos fazer um século 21 diferentes daqueles. Os governantes já são diferentes. A América Latina mudou substancialmente e está mudando o seu perfil ideológico, o que é extremamente importante. Agora, ganhar as eleições e conseguir colocar em prática os nossos sonhos é um desafio."
Ao citar a importância da criação do foro para o desenvolvimento de Estados e províncias, Lula defendeu a criação de instâncias nos Congressos de cada país membro do Mercosul que possam agilizar a implementação de acordos internacionais. Segundo ele, é preciso que nos Congressos esses acordos tenham prioridades nas votações, porque hoje o tempo de tramitação médio destes é de cerca de cinco anos.
Ao declarar instalado o Foro, o Secretário Executivo da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e Coordenador Geral do Foro, Vicente Trevas, ressaltou a importância do ato para a integração efetiva dos países membros do Mercosul, com a participação dos governos regionais e locais. "Com a instalação do Foro, os atores governamentais e institucionais que constituem este espaço do Mercosul já têm um histórico de experiência de cooperação. O Mercosul já construiu um conjunto de agendas sociais, políticas e comerciais. E através do Foro vai implementar estas agendas em territórios específicos, envolvendo mais instâncias regionais e locais", disse Trevas.
Depois de uma tarde inteira reunidos no Rio, os integrantes do foro aprovaram um documento intitulado "Carta do Rio", em que apresentaram pontos que contribuirão para o processo de construção da agenda do Mercosul como: cooperação entre os níveis de governo, políticas sociais, integração fronteiriça, infra-estrutura e meio ambiente. Ao final do encontro, ficou acertado um cronograma de reuniões para discutir os temas referentes ao foro e definir o plano de trabalho para execução das propostas aprovadas pelo grupo. O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, citou algumas ações que já estão sendo implementadas entre os países como um programa de escolas de fronteiras. A idéia é efetivar, em médio prazo, o ensino bilingüe (espanhol e português) às populações das divisas entre os países-irmãos.