quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O escárnio da aposentadoria vitalícia dos governadores


O saldo de pensões vitalícias que se revela no ato da saída dos governadores cujo mandato terminou no dia 1º de janeiro revela mais que um abuso. É um resquício de uma cultura patrimonialista, onde o público se confunde com o privado e o poder público acaba reproduzindo a vontade e o interesse pessoal do mandatário. Quinze Estados instituem a pensão vitalícia para ex-governadores, sem necessidade de contribuição no período em que exercem o cargo. Sete dos 13 governadores que deixaram o posto levaram para casa uma aposentadoria. Em seis Estados, segundo o jornal "O Globo", o benefício foi extinto, mas as folhas salariais ainda carregam beneficiários antigos. Segundo levantamento do mesmo jornal, 122 ex-governadores ou suas viúvas recebem o benefício, sem que tenham contribuído para isso em nenhum momento da vida.

Um dos casos mais escandalosos é do ex-governador do Mato Grosso do Sul José Orcírio Dias, o Zeca do PT. No apagar das luzes de seu mandato, a Assembléia Legislativa reinstituiu, por voto secreto, a pensão vitalícia para ex-governadores, que havia sido extinta anteriormente. O governador petista, que se notabilizou pelo excesso de parentes que empregou no governo, não teve dinheiro para pagar a parcela de dezembro relativa à dívida do Estado para com a União, de R$ 27,9 milhões, e seu sucessor, Antonio Puccinelli (PMDB), começou o governo com a retenção, pelo Tesouro Nacional, da parcela que cabe ao Estado do Fundo de Participação dos Estados para fazer frente à dívida. Zeca do PT também deixou de repassar R$ 8,7 milhões a 65 mil famílias beneficiárias do bolsa alimentação. Sua bolsa alimentação, no entanto, foi garantida pela Assembléia: receberá até o resto de sua vida uma pensão no montante do salário que recebia quando exerceu o mandato de governador.

Mas não é o único. Em Sergipe, o ex-governador João Alves, além da pensão vitalícia, passou a ter direito a seis assessores e um veículo oficial por seis anos. Lá, o vice-governador tem o direito de participar do conselho de administração de quatro autarquias, a R$ 2,5 mil cada uma. No Ceará, ocorreu o escândalo do caso Chico Aguiar, o ex-presidente da Assembléia que assumiu o cargo de governador por 83 dias, no governo de Ciro Gomes, e levou para casa a pensão vitalícia a que tem direito o cargo. A pensão foi revogada - e Aguiar teve como compensação um cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, a R$ 22 mil por mês. Depois de revogações e reinstituições da pensão vitalícia, o governador que saiu agora, Lúcio Alcântara, ainda conseguiu o benefício para si antes de barrar o dos seus sucessores.

Foi preciso um grande escândalo para que a própria Câmara revisse o seu sistema de benefícios. O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) era uma imensa caixa-preta que, além de garantir privilégios aos deputados, foi usado como caixa particular de alguns de seus dirigentes. Depois de 1999, os deputados passaram a ter direitos iguais a qualquer trabalhador: para terem aposentadoria integral, têm que comprovar contribuições previdenciárias por 35 anos e ter a idade mínima de 60 anos. Contribuem para a previdência com 11% de seus subsídios. Os deputados que aposentam sem obedecer a esses requisitos têm direito à pensão proporcional. Os que ainda contribuíam para o velho sistema mantiveram os benefícios antigos.

Ainda assim, se foi moralizada a previdência dos deputados federais, não está longe no tempo a tentativa de quase dobrar seus próprios vencimentos. Nessa atitude ainda reside a cultura patrimonialista da política brasileira. E aí se misturam regras de convivência democrática e interesses privados: sob o manto de não intervenção de um poder em outro, o Legislativo tem, na prática, o poder de definir seus próprios privilégios. E sob essa justificativa também não costuma barrar projetos do Judiciário que se autoconcedem os seus. E, no caso do Executivo, só em casos de disputa política.

São privilégios indesculpáveis frente às necessidades mais comezinhas que o lado pobre do país amarga. É uma agressão ao país que um deputado possa dobrar o seu salário num momento em que se faz ginásticas para conseguir um mínimo de investimento em infra-estrutura. Ou que o Judiciário decida, ele próprio, que o poder que julga leis está acima delas próprias. Há algo muito errado nisso. E o descrédito das instituições não é bom para nenhum dos poderes da República.


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