sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

O dono da cúpula


Hugo Chávez, presidente da Venezuela, atrai seguidores no Rio, faz declarações polêmicas e defende seu “socialismo do século 21”

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, centro das atenções na Cúpula do Mercosul, teve ontem um dia de popstar do mundo político. Por onde passou, foi seguido por fãs histéricos — que gritavam “Comandante! Comandante!” —, recebeu homenagens de sambistas cariocas e, onde existisse um holofote, desfiou sua vocação para a polêmica. No Hotel Othon, em Copacabana, zona Sul do Rio — onde fez questão de ficar hospedado ao saber que na mesma suíte presidencial ficara o presidente cubano Fidel Castro —, Chávez entrava e saía acompanhado por um séquito de seguranças de sua guarda pessoal, fuzileiros navais e policiais federais brasileiros, além de dezenas de repórteres e fotógrafos.

Nenhum mandatário, nem mesmo o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o boliviano Evo Morales ou o recém-eleito Rafael Correa, do Equador, causou tamanho frisson. Por volta das 20h30, ao deixar o saguão do Copacabana Palace, onde ocorrem as reuniões entre chefes de Estado, Chávez posou com crianças no colo, enquanto era ovacionado. “Olê, olê, olé, olá! Chávez! Chávez!”, cantava a multidão de admiradores.

Chávez reuniu-se ontem com Lula e assinou acordos na área de petróleo e gás, e uma declaração sobre o primeiro trecho do Grande Gasoduto do Sul. No texto, os dois presidentes se comprometem com a concretização da obra, considerada um projeto aglutinador da integração regional. Nas fases seguintes, ela incluirá Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Ambos aprovaram o cronograma que estabelece a conclusão do trecho entre Güiria a Recife até dezembro de 2008. Pouco antes do encontro oficial, Chávez mandou um recado aos brasileiros: “Não se preocupe, Brasil, porque todo o gás que você necessita está na Venezuela”, avisou. Mais cedo, ao ser perguntado se a adesão de seu país ao Mercosul não envenenaria as relações dentro do bloco, Chávez devolveu na mesma moeda: “Quero é descontaminar o Mercosul do neoliberalismo”, ironizou.

Por onde passou, ele falou de seu “socialismo do século 21”, como se refere ao próprio projeto de transformações para a Venezuela. Segundo Chávez, o “socialismo venezuelano” não prejudica o Mercosul nem torna o bloco econômico mais político. “O Mercosul não tem nada a ver com assuntos ideológicos. Seria um exagero e, até de certa forma, uma manipulação pretender isso. O Mercosul não é tema ideológico, é geopolítico”, disse, pouco antes da reunião dos chefes de Estado. “Só unidos seremos livres. E só livres poderemos nos desenvolver”, discursou. O chefe de Estado venezuelano elogiou a admissão de países no Mercosul, como a Bolívia, e a iniciativa brasileira de dar tratamento diferenciado a cada um de seus membros. “É fortalecendo uma parte que se fortalece o todo”, afirmou.

Chávez ficou todo o tempo cercado por um forte esquema de segurança, com batedores à frente de sua comitiva e tenentes de sua segurança pessoal, que usavam a indefectível boina vermelha. Cabia ao próprio presidente furar o bloqueio, aproximando-se dos fãs e curiosos. “É o Chávez?”, queria saber o mineiro Jurani Jr., 14 anos, que passa as férias com a família no Rio. O garoto não demonstrou o mesmo interesse em ver de perto o presidente Lula. Um dos seguranças de Chávez, ao ver a multidão na porta do Copacabana Palace, brincou: “Com essa popularidade, ele não vai querer voltar para a Venezuela”.

Agenda
O líder venezuelano chegou pela manhã ao Rio, almoçou com o presidente Lula, seguiu para a reunião de chefes de Estado — onde, segundo testemunhas, monopolizou os discursos — e terminou o dia jantando com os colegas no Itamaraty. Chávez tinha tantos compromissos que teve de adiar alguns. A medalha Tiradentes, que receberia ontem na Assembléia Legislativa do Rio, será entregue hoje à tarde.

À noite, uma festa foi preparada pelo presidente da escola de samba Vila Isabel, Wilson Vieira Alves, que, para “agradecer” Chávez, mandou para o hall do Hotel Othon parte da bateria, passistas e até a Rainha da Bateria, Viviane Araújo. A escola foi campeã do Carnaval carioca em 2006 com o patrocínio da PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela, com um enredo que homenageava o libertador Simon Bolívar, ídolo de Chávez. Observando a descontração do venezuelano em sua passagem pelo Rio, um diplomata brasileiro brincou: “Ele não deve ter visto a cotação do petróleo”. Maior trunfo da economia do país, o petróleo ficou ontem abaixo de US$ 50 o barril. Enquanto isso, na Venezuela, o Congresso aprovou uma lei que habilita o presidente a legislar por decreto. Chávez deverá nomear uma comissão encarregada da reforma constitucional, que inclui a reeleição por tempo ilimitado.


Já avançamos bastante no tema do gás (…) O Brasil não tem que se preocupar, pois todo o gás que precisa está na Venezuela e podemos enviá-lo para as regiões norte e nordeste


Hugo Chávez, presidente da Venezuela


A imprensa diz que Chávez está vindo injetar ideologia no Mercosul, que vem contaminá-lo. Estamos descontaminando a contaminação do neoliberalismo

Hugo Chávez, presidente da Venezuela


análise da notícia
O espetáculo Chávez

Hugo Chávez é o primeiro presidente da Venezuela nascido na era da televisão. Estreou na cena política venezuelana num discurso em rede nacional que deveria servir-lhe apenas para salvar a própria pele, ao pedir a rendição dos colaboradores no fracassado golpe de Estado de 4 de fevereiro de 1992. Da derrota humilhante, Chávez passou à celebridade, usando 169 palavras. As máscaras de plástico com as feições do tenente-coronel foram as mais populares daquele carnaval.

Ninguém duvida de sua habilidade como líder das massas. E se o petróleo financia o assistencialismo da Revolução Bolivariana, são os meios comunicação que o legitimam. Tanto que a imagem de Chávez é indissociável de cada pequena mudança na rotina dos venezuelanos. A mídia é o ambiente em que ele sabe fazer política. Sua diplomacia é assim: midiática. Tem lógica própria e dinâmica acelerada, algo para o que a diplomacia de Rio Branco se encontra despreparada. Seu show na cúpula do Mercosul é prova disso. Não foi sem razão que Chávez mudou o nome do país, a bandeira e quer um hino nacional ao libertador Simón Bolívar. O “socialismo do século 21” é mais que um slogan. Quem assiste à Telesur?

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