quinta-feira, 17 de julho de 2008

Idas e vindas de um delegado que mexeu com os poderosos


Pressionado pelas manifestações que pipocam em Brasília e São Paulo sobre o caso Daniel Dantas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou seu gabinete ontem e, num gesto inédito no Palácio do Planalto, desafiou o delegado federal Protógenes Queiroz a permanecer à frente das investigações ou dizer publicamente que quer sair. Pouco depois das declarações do presidente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, repassou a preocupação ao diretor-geral interino da Polícia Federal, Romero Menezes, que deu uma explicação com duplo sentido: Queiroz termina o inquérito que deu início a Operação Satiagraha com um relatório conclusivo até amanhã, mas está definitivamente fora do caso.

A decisão não atende o que Lula quer mas, como se trata de um assunto da esfera policial, não há como o governo interceder. De olho na popularidade, tudo o que o presidente queria era evitar insinuações de interferência em investigações, num momento em que os mais pobres assimilam o combate à corrupção como bandeira do governo.

Em nota distribuída no final da tarde, a direção do órgão anunciou os nomes dos novos delegados que darão seqüência às investigações – Ricardo Saad e Érika Mialik Marena – e foi taxativa: o homem que mandou para a cadeia o banqueiro Daniel Dantas vai mesmo passar por um curso de reciclagem a partir de segunda-feira e não retorna mais ao caso. Na tensa reunião com a direção da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo na terça-feira, Protógenes Queiroz não queria sair e ainda tentou um meio termo: como o curso superior de polícia o ocuparia durante um mês inteiro, se propôs a despachar no inquérito durante os finais de semana.

Nada feito

O superintendente Leandro Coimbra e os delegados Roberto Troncon Filho e Paulo Teixeira não aceitaram. A decisão já havia sido tomada, mas a explicação dada ontem é que a investigação precisa ser acelerada, o curso da Academia da PF exige dedicação exclusiva e que ele não poderia quebrar uma regra extensiva a todos.

Convencido de que estava fora de uma investigação que iniciara havia quatro anos, o delegado pediu para terminar o inquérito contraDantas e os demais integrantes do Grupo Opportunity. Ele argumentou que as investigações já realizadas permitem fazer um relatório conclusivo, que prometeu entregar amanhã. Ontem, ele interrogou o banqueiro Daniel Dantas, mas é improvável que as declarações possam acrescentar novos detalhes ao inquérito que levou o banqueiro, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta à cadeia. A direção da Polícia Federal, no entanto, aguarda com expectativa o novo texto do relatório do delegado. Temem um novo estrago.

A polêmica causada pelo delegado dividiu as categorias de classe que representam os policiais federais. Os sindicatos dos delegados divulgaram manifesto em apoio ao colega. Os agentes, que disputam o poder com os delegados, acham que as investigações em torno de Daniel Dantas devem ser aprofundadas, mas defendem o enquadramento de Queiroz. Mais que o vazamento que privilegiou a TV Globo e expôs os presos na operação, o delegado teria colocado em xeque a hierarquia e a disciplina dentro do órgão, além de levantar suspeita generalizada sobre os demais policiais ao se recusar a abrir detalhes que eram importantes para o planejamento logístico da operação deflagrada na terça-feira passada.

Os documentos apreendidos na devassa da semana passada nos 58 endereços de Dantas e diretores do Opportunity serão anexados aos inquéritos que serão tocados pelos delegados Saad e Marena. Responsáveis pela apuração no âmbito do Ministério Público Federal, os procuradores Rodrigo de Grandes e Anamara Osório Silva afirmaram que a saída de Queiroz e dos outros dois delegados – Carlos Pelegrine e Karina Murakami Souza – causará prejuízo às investigações.

"O afastamento compromete a eficiência administrativa nas investigações", afirmam em ofício encaminhado ao diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa, a quem pedem a permanência de Queiroz. "O delegado e sua equipe fizeram um trabalho excelente e deveriam permanecer à frente das investigações. A saída é prejudicial, uma vez que a PF e o MPF estão na fase de análise de documentos".

O procurador Rodrigo de Grandis fez questão de rebater as declarações do ministro Tarso Genro, segundo as quais, o inquérito está 99% concluído:

– Como destinatário do inquérito policial posso afirmar que as investigações estão apenas no início – disse.

O procurador lembra que cabe a ele e à sua colega avaliar o trabalho da polícia, o rumo das investigações e, no final, a denúncia contra os integrantes do Grupo Opportunity.

– A denúncia é a conclusão das investigações – explicou Grandis.

A Procuradoria da República e a Polícia Federal vão abrir novas frentes de investigação nos dois inquéritos policiais que resultaram do trabalho de Queiroz. Nelas vão incluir os indícios que aparecerem nos documentos apreendidos e buscar mais evidências da participação do ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh e a suposta tentativa de tráfico de influência envolvendo o secretário particular do presidente Lula, Gilberto Carvalho.

Apesar da Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto ter aberto procedimento para apurar o caso, o próprio presidente demonstrou ontem que confia no assessor.

– Se você ligar para mim, quem vai atender é o Gilberto Carvalho, e peça a Deus que seu telefone não esteja sendo gravado, senão vai aparecer sua conversa com ele – disse Lula aos jornalistas.

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