domingo, 19 de novembro de 2006

Consciência Negra


Acusado de propagandaracista é pai de filhos mulatos.


A dona de casa Maria das Graças Almeida Bastos despediu-se do filho na noite de 23 de outubro passado. Dois amigos de cabeça raspada foram buscá-lo em casa para uma volta na noite paulistana. Algumas horas depois, o telefone tocou na casa humilde de Cidade Vargas, Zona Sul da capital paulista, e Maria das Graças recebeu a notícia da prisão do filho pelo crime de racismo. “Foi um choque”, relembra.
O vendedor gráfico Emerson de Almeida Chieri, de 34 anos, foi apanhado com o designer Eduardo Brandão Jarussi, de 26 anos, e o autônomo Rogério Costa Andrade, de 28 anos, naquela noite, na Vila Mariana, Zona Sul. Os três amigos foram flagrados colando cartazes com lemas racistas contra o sistema de cotas para negros em universidades públicas. Os panfletos levavam a assinatura do grupo "White Power" (Poder Branco, na tradução do inglês).

No último dia 8, o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia contra o grupo no Fórum Criminal da Barra Funda com a mesma acusação: "praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional". A pena vai de dois a cinco anos de prisão.

A notícia surpreendeu a família de Emerson e, junto com ela, toda a vizinhança de Cidade Vargas. Além de ser tido pelos amigos como um rapaz “gente boa” e trabalhador, Emerson é pai de dois jovens afrodescendentes. Por onze anos, foi casado com uma mulher negra e hoje possui a guarda dos filhos, de 9 e 15 anos.

“Eu perguntei a ele: 'Como você pode ser contra uma coisa que futuramente pode beneficiar os seus filhos?'”, disse a mãe durante visita no Centro de Detenção Provisória Vila Independência, onde Emerson está preso há quase um mês.

Maria das Graças falou sobre a prisão do filho à reportagem do G1 no portão de sua casa e, ao longo de toda a conversa, o filho mais velho de Emerson ouviu a tudo, sem se manifestar.

Emerson não quis dar entrevista. Por meio da advogada Maria Ângela Campos argumentou que apenas se manifestava contra cotas raciais e negou ser racista ou integrante do White Power. O movimento prega a valorização da raça branca e a intolerância contra negros, judeus, nordestinos, imigrantes ilegais e homossexuais. O site do grupo estampa na capa a foto do ditador nazista Adolf Hitler.

O puxão de orelha de Maria das Graças, que se emociona ao falar do caso, contrasta com a mensagem do cartaz propagado pelo filho. ''Vestibulando branco. Hoje eles roubam a sua vaga nas universidades públicas. E chamam isso de direitos iguais. Se você não agir agora, quem nos garante que eles não roubarão vagas nos concursos públicos? Devemos assegurar a existência de nossa raça e o futuro de nossas crianças brancas''.

“Ele agiu por impulso, por influência dos amigos”, justifica o irmão Evandro Chieri. De acordo com a mãe, Emerson está arrependido.

Em casa, ele nunca debateu o sistema de cotas raciais, segundo os familiares, que não escondem as divergências com Emerson. “Aqui nós somos lulistas”, diz Maria das Graças.

O governo Lula apóia projeto de lei que estabelece reserva de vagas em universidades federais e estaduais para alunos de escolas públicas, com base na porcentagem de negros e indígenas nos estados. A proposta está pronta para votação no plenário da Câmara.

De acordo com a família, Emerson não tem filiação partidária, mas amigos lembram que ele já freqüentou congressos do Prona, partido de extrema direita.

Polêmica na vizinhança

A acusação de racismo virou tema de discussão no bar do Seu Waldir, tradicional ponto de encontro do bairro.

Alguns vizinhos se sentiram ofendidos com a atitude de Emerson. Mas, neste território, o acusado conta com a fiel defesa do dono do bar, que o conhece desde criança. “Vou falar uma coisa para você: quem criou isso tudo foi a mídia, que misturou o conteúdo daquele site (White Power) com a prisão do Emerson”, afirma Seu Waldir.

O comerciante, que chegou a ver os cartazes nas mãos de Emerson, aconselhou o rapaz a não divulgá-los. “Como alguém que foi casado com uma mulher negra e tem filhos mulatos pode ser racista?”

A advogada de Emerson pretende usar os laços familiares do cliente como elementos para a defesa. Emerson, que permanece no Centro de Detenção Provisória de Vila Independência, foi indiciado sob a acusação de crime de racismo.

Também foram indiciados os amigos Eduardo e Rogério, que obtiveram há três semanas liberdade provisória sem pagamento de fiança. Diferente dos dois amigos, Emerson não obteve o benefício por possuir antecedentes criminais – roubo, furto e posse de entorpecentes.

Árvore genealógica

Ao divulgar cartazes com teor racista, Eduardo também parece não olhar sua árvore genealógica. A família Jarussi confirmou à advogada Maria Ângela Campos que o acusado possui ascendência negra. Entretanto, não soube precisar em qual grau. “Ele alega que estava apenas se manifestando contra as cotas para negros”, disse a advogada.

Na pele

A defesa de Rogério também tenta provar que o acusado não é racista. “A irmã dele namora um negro. Ele ainda me disse: 'Doutor, não sou racista. Eu já toquei em bandas de rock com um vocalista negro'”, afirmou o advogado José Miguel da Silva.

Apesar de negar que faça parte do White Power, Rogério tem o símbolo do movimento tatuado nas costas, segundo informou o delegado de polícia assistente do 36º Distrito de Polícia, Rui Diogo da Silva, que colheu o depoimento dos acusados.

No braço direito, tem ainda a inscrição "88" – uma referência à oitava letra do alfabeto, o "H". No movimento, o 88 ou "HH" é uma senha para a saudação ao ditador nazista Adolf Hitler. No mesmo braço, a palavra "skins", alusão ao movimento skinhead.


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