Uma onda de entusiasmo aproxima retórica e prática na terceira semana de novembro. A defesa de taxa de crescimento de 5% em 2007 feita pela equipe econômica ganhou aliados.
Uma barricada contra o pessimismo foi erguida por um dado isolado mas supreendente: o forte aumento das vendas do comércio varejista em setembro. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reportou expansão de 2,06% ante agosto - resultado vigoroso e precedido por avanço de 2,75% no mês anterior. Em comparação com setembro de 2005, as vendas saltaram 10,1%.
"A expansão do varejo pode não justificar tanta animação, mas esse resultado estabelece, sim, uma configuração muito positiva para o ano que vem", afirma Alexandre Mathias, economista-chefe do Unibanco Asset Management. "Esperávamos um resultado forte e ele confirma a visão de atividade recuperando-se com extrema nitidez e inflação também avançando com extrema nitidez."
Mathias trabalha com a perspectiva de atividade crescendo entre 6% e 7% no quarto trimestre deste ano ante o quarto trimestre de 2005. "Essa indicação, se confirmada, é ótima e autoriza esperar aumento do Produto Interno Bruto de 3,5% a 4% no ano que vem", diz o economista que considera temerário, para o próprio governo, bancar projeção de 5% para 2007. "Não dá para cravar números e nem defender 5% de aumento do PIB, mas 4,5% é factível."
Volatilidade perversa
Edgard Pereira, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), alerta para o estigma carregado pela expectativa de expansão de 5% do PIB.
"Argumenta-se que a economia brasileira não pode crescer 5% ao ano por razões estruturais, mas há pouco, em 2004, crescemos 4,9%. A indicação de 5% é viável no curto prazo e o País não tem problema de oferta para crescer nessa magnitude. A questão relevante é a continuidade dessa taxa de crescimento", avisa.
Pereira, professor da Unicamp, faz um alerta sobre o poderoso efeito da volatilidade das taxas de crescimento econômico sobre a decisão de investimentos dos empresários. "O efeito da volatilidade é grave. O empresário não toma decisões considerando nem o pico e nem o vale das taxas de expansão que, para manter um patamar constante, dependem essencialmente de investimentos." O presidente do Iedi constata que o ritmo da demanda anima as empresas, mas reconhece que animação não garante oferta maior de bens.
Um economista que já transitou pelo setor público, e prefere não se identificar, concorda com Pereira e insiste que se o ritmo da produção industrial não guarda semelhança com o consumo, representado pelas vendas, parte da oferta de bens é assegurada pelas importações e desova de estoques.
"Precisamos saber qual é a participação de cada segmento na oferta. Quanto da demanda é atendida pela produção doméstica, quanto por importações e quanto por estoques." O economista avalia que expansão de consumo leva à recuperação cíclica da atividade sem sustentação. "Espero, portanto, que o governo não use o robusto dado do varejo como sinal inequívoco de crescimento econômico sustentado. Pode ser um erro."
Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista da UFRJ, comenta que maior demanda cobra aumento da oferta e, acredita, "a recuperação da indústria está por vir", diz. "As vendas de bens duráveis sugerem que o ciclo de expansão do crédito está se fortalecendo. Se a oferta de crédito, combinada à renda, perdurar teremos expansão mais consistente e pulverizada de vendas do varejo entre vários segmentos." Para esse cenário ser confirmado são necessários dados do varejo de mais um mês. "Demanda robusta traz confiança e a confiança cresce com juros descendentes. Isso estimula investimentos físicos. Faz o empresário tirar dinheiro do bolso."
O economista da UFRJ lembra que a projeção média para o PIB deste ano ronda 3%, mas que o saldo comercial tira importante fatia do PIB. "Descontado o peso do saldo comercial, a economia avança ao ritmo de 4% e essa constatação deveria reduzir o pessimismo que parece exagerado quanto ao futuro".
Pé no chão
Pereira, do Iedi, não é pessimista, mas tem o pé no chão e insiste que alcançar crescimento sustentado da ordem de 5% ao ano exige um salto da taxa de investimento de 20 para 25% do PIB. "Esse salto depende de investimento privado e público. O aumento do investimento público pode ser incentivado com melhor gestão das contas públicas."
O investimento federal é da ordem de 0,5% do PIB. Agregando outros níveis do setor público, a taxa sobe a 1,5%. "Para dobrar o investimento público federal, o governo precisa buscar cerca de 0,5% do PIB. Observando o grau de vinculação de receitas e despesas, parece difícil, mas obter 0,5% do PIB é algo factível."
Urna derruba "pedágio"
O governo estuda elevar o montante de recursos destinados a programas contemplados no Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que reúne projetos em infra-estrutura que não entram no cálculo do superávit primário.
Se o governo adotar essa alternativa que já teve o aval do Fundo Monetário Internacional (FMI), a quem o Brasil nada deve, a meta de superávit primário tende a cair de 4,25 para 3,75% do PIB.
Superávit de 3,75% do PIB era a meta em vigor até o último ano do governo FHC, que havia elevado o alvo original de 3,50% ante a deterioração do cenário econômico às vésperas da eleição. Em fevereiro de 2003 o governo Lula comunicou ao FMI a decisão de aumentar novamente a meta, para 4,25% do PIB.
A aplicação da regra que exclui investimentos públicos fundamentais das despesas públicas significa, na prática, livrar o Brasil do pagamento de um "pedágio" cobrado pela incerteza com as escolhas do presidente consagrado agora ao segundo mandato.
Agenda da semana
Segunda-feira: Relatório Focus, balança comercial (3 semana de novembro), nota do BC sobre setor externo (outubro);
Terça-feira: IGP-10 (novembro), IPC-Fipe (2 prévia novembro;
Quarta-feira: IGP-M (2 prévia novembro), Sondagem Industrial FGV-Quesitos Especiais (outubro);
Quinta-feira: IPC-S (3 leitura novembro), Pesquisa IBGE sobre emprego (outubro), nota do BC sobre política monetária e crédito (outubro), reunião do Conselho Monetário Nacional;
Sexta-feira: IPC-S Capitais (3 leitura novembro), IPCA-15 (novembro), e resultado do governo central (outubro).
Angela Bittencourt é jornalista da Reuters e sua coluna é publicada diariamente para os clientes dos terminais Reuters 3000Xtra e Reuters Trader Latin America. email: angela.bittencourt@reuters.comkicker: A expansão de consumo leva à recuperação cíclica da atividade sem sustentação, diz um economista