O debate sobre a anistia concedida a integrantes das Forças Armadas por crimes cometidos durante o regime militar voltou a ganhar corpo no Brasil, a exemplo do que aconteceu recentemente em países vizinhos da América Latina. De um lado, aumentam as pressões, encabeçadas por ex-presos políticos e seus familiares, com apoio de parlamentares e juristas, para que sejam julgados os abusos cometidos por oficiais e seus subordinados. De outro, afirma-se que a anistia concedida em 1979 atingiu tanto os que se opuseram ao regime quanto os que o defenderam - o que colocou um ponto final no assunto.
A polêmica explodiu recentemente por causa da ação declaratória de reparação de direitos humanos que está sendo movida por ex-presos políticos contra o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Querem o reconhecimento de que o coronel comandou sessões de tortura no período da ditadura.
A questão divide o meio jurídico. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo na quarta-feira, o jurista Hélio Bicudo afirmou que não tem nenhuma base jurídica a interpretação em vigor de que a Lei da Anistia atingiu torturadores de presos políticos. Ele também propôs a rediscussão do processo, para que os militares sejam julgados.
Ontem, ao falar sobre o assunto, o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, uma das referências do País em direito constitucional, afirmou o contrário. Disse que a Lei da Anistia tem que ser interpretada do modo mais amplo possível. "O seu espírito foi pôr uma pedra nos acontecimentos do passado", afirmou. "Esse é um assunto que tem que ser encerrado, para o bem do Brasil."
Na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a professora de direitos humanos Flávia Piovesan, também especialista em direito constitucional, apoiou o ponto de vista de Bicudo. "Os países da América Latina que também romperam com regimes ditatoriais já fizeram a revisão das leis que impediam o julgamento das violações cometidas no período repressivo", disse a professora. "Isso tem permitido levar militares ao banco dos réus."
Desagravo
O encaminhamento do processo provocou reações no meio militar. Um ato de desagravo em Brasília reuniu cerca de 200 oficiais da reserva. Teme-se que o caso Ustra seja o início de uma onda de processos.