O governador eleito de São Paulo, José Serra, pretende levar o PSDB a empunhar decididamente a bandeira do desenvolvimento, abrandando as preocupações com o ajuste fiscal e a estabilidade. Serra estuda medidas ousadas para quebrar a cadeia de inércia que sucedeu os programas de ajuste fiscal criado pelos próprios tucanos a partir de 1997, que reduziram as possibilidades de crescimento e que engessaram, também, os governos estaduais. A principal delas recomenda a renegociação das dívidas dos Estados.
Nos bastidores da transição paulista, ganha força a proposta de reconstruir um dos pilares dos governos FHC - a negociação das dívidas dos Estados e municípios, parte do programa de estabilização fiscal - mantendo o conceito de responsabilidade fiscal, mas abrindo uma fresta para o crescimento. A proposta quebra a lógica dos últimos dez anos, em que o País e os Estados fizeram esforços extraordinários para manter o conceito da responsabilidade fiscal, mas acabaram atolados na falta de crescimento.
Ao propor o abrandamento das preocupações com o ajuste e um realce maior no crescimento, Serra quer "puxar" o PSDB para a esquerda e lhe dar um discurso que o partido não recuperou desde que, em 2002, a bandeira da estabilidade conquistada com o Plano Real - que lhe tinha dado dois mandatos presidenciais - se esgotou no imaginário popular. A nova bandeira de um ‘desenvolvimentismo responsável’ - um hibridismo que junta uma franca abertura para o crescimento, sem descurar da parte fiscal - seria a marca de um PSDB bem mais ousado e popular.
Serra diz que visualiza a dificuldade do governo Lula em mudar pontos cruciais das políticas econômica e fiscal, ambas criações do PSDB que hoje dão sinais evidentes de esgotamento. Ao optar decisivamente pelo desenvolvimento, o tucano pretende criar um desafio para o governo Lula, que será confrontado publicamente com políticas voltadas para o crescimento, praticadas pelos Estados, São Paulo à frente. Assim, o PSDB assumiria a bandeira do desenvolvimento.
O primeiro passo, no entanto, será melhorar as fontes de financiamento dos governos estaduais. Os estudos que Serra tem em mãos recomendam a mudança de indexador das dívidas estaduais, abandonando o IGP-DI, expurgando o seu efeito nos últimos dez anos e dando aos Estados um pouco de oxigênio para investir em infra-estrutura. Com isso, por um lado, o esforço para pagar a dívida será mais conseqüente e frutífero; por outro, se criará possibilidade para aumentar os investimentos em infra-estrutura, rompendo o círculo vicioso que inibe o crescimento. O governo federal não perde nada - apenas não contabiliza números artificiais gerados pelo efeito multiplicador do IGP-DI.
Do jeito que está, dez anos depois de renegociados e federalizados os passivos, os Estados vivem sufocados pelo serviço da dívida, com a obrigação de recolher ao Tesouro 13% de suas receitas, que nem dão para abater os juros mensais, na maioria dos casos. E daqui a 20 anos, todos terão estratosféricas dívidas acumuladas, que deverão ser pagas em mais dez anos. A partir de 2027, esses abatimentos, pela letra da lei, vão absorver orçamentos inteiros - o que criaria uma situação ficcional capaz de inviabilizar Estados e municípios.
Os estudos que estão com Serra alegam que o IGP-DI é um indicador que se mostrou inadequado à tarefa de atualizar as dívidas estaduais; como subiu muito, catapultado pelo câmbio sobrevalorizado, acabou por tornar as dívidas completamente artificiais. Os estudos explicam que, com um índice adequado, os Estados e municípios vão fazer um esforço que valerá a pena e terá resposta justa no tempo. E poderão trabalhar realisticamente para planejar os seus crescimentos, sem ter, em seu cenário futuro, o fantasma paralisante de 2027.
Serra não programou, no início de seu governo, medidas de impacto para impressionar o eleitorado, como costumam fazer novos governantes. Ele se preocupa mais com o impacto que poderá causar no fim do governo: por isso, quer começar a governar atacando projetos de grande abrangência econômica que, quando concluídos, provocarão um forte impacto no desenvolvimento paulista. Entre eles estão o Rodoanel, novas linhas do metrô paulistano, a recuperação de estradas vicinais e o programa favela-bairro.