quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Serra e a atração do poder solitário


A política solitária parece ser uma sina do PSDB. No momento em que parcela do partido discute seus desacertos e coloca no primeiro lugar da lista a sua pouca organicidade, o governador eleito de São Paulo, José Serra, decide, articula e anuncia parte de seu secretariado sem que nenhuma conversa tenha ido além do pequeno grupo que o cerca. O secretariado de Serra é apontado, nas hostes tucanas, como "serrista e muito conservador", produto de uma equação que se resume a um "núcleo duro" de pessoas de sua estrita confiança, aliado a uma forte representação do PFL. O governador Cláudio Lembo, do PFL, que assumiu o governo depois que Geraldo Alckmin saiu para disputar a eleição, teve mais voz e influência que o seu antecessor no governo, que ficou no cargo por seis anos. Ontem, numa reunião no Instituto Fernando Henrique (IFC), Alckmin, que aos poucos retorna à vida partidária, fez o desabafo: "É impressionante a ingratidão do partido".

No cômputo das lealdades recíprocas, talvez Serra não tivesse enormes obrigações com Alckmin, que o tirou do páreo da disputa pela Presidência nas eleições deste ano e, em 2002, quando Serra era o candidato e ele, governador de São Paulo, não teve propriamente um comportamento ativo a seu favor. Mas há sinais de que Serra se descola de toda a cúpula tucana. As articulações para a composição de seu governo privilegiam os integrantes do partido sob sua estrita confiança - são mais "serristas" do que tucanos. Até agora, e não foram todos os secretários anunciados, o PFL ficou com quase toda a área social, à exceção da pasta da Saúde, onde será mantido Luiz Roberto Barradas Barata, que é "serrista". O secretário da Agricultura, João de Almeida Sampaio Filho, foi presidente da Sociedade Ruralista Brasileira. As escolhas do governador eleito de São Paulo vão na direção oposta do que ele mesmo tem defendido para o futuro do PSDB, ou seja, uma orientação mais à esquerda, que o diferencie do PFL.

Serra, mais uma vez, anda na contramão do PSDB. Em 2002, quando impôs-se como candidato a presidente, guindou o PMDB a aliado preferencial e agiu para tornar irreversível o rompimento com o PFL. Em 2004, quando disputou a prefeitura de São Paulo, aceitou a contragosto como vice de sua chapa o pefelista Gilberto Kassab, que assumiu a prefeitura quando ele se candidatou ao governo, este ano.

A derrota de Alckmin nas eleições deste ano empurrou o PSDB para a discussão que Serra tentou levar ao partido nacional desde o segundo governo de FHC: o partido descaracterizou-se ideologicamente e andou para a direita quando assumiu relações quase simbióticas com o PFL. Mas, justo no momento em que até os cardeais tucanos admitem rever a linha partidária, Serra assumiu uma equação de poder que passa pelo partido conservador.

PFL e Serra brigaram em 2002 e hoje se dão as mãos

A guinada tem algumas razões que são visíveis a olho nu. A boa convivência com Kassab, já na prefeitura, permitiu a ele que mantivesse controle sobre a administração da capital mesmo fora do cargo. Quando assumir o governo terá, na sua órbita de influência, não apenas o Palácio dos Bandeirantes, que por direito é seu, mas a máquina administrativa da maior metrópole da América do Sul. Pode estar privilegiando também o PFL paulista porque o partido conservador, tradicionalmente enraizado no Nordeste, teve um grande prejuízo eleitoral naquela região nessas eleições. O normal, nessas circunstâncias, seria um reforço da direção pefelista ao eixo Sul-Sudeste, onde sempre quis e nunca conseguiu se consolidar. Uma prefeitura, e uma situação privilegiada no governo de Serra, podem ser o empurrão que o PFL precisa - e o governador eleito torna-se, aí, um aliado preferencial do partido. O apoio do PFL na Assembléia Legislativa fecha o seu roteiro de poder, já que ele tem grande influência sobre o PSDB regional e sobre a liderança tucana no Legislativo estadual.

Fora de São Paulo, Serra mantém relações solitárias e seletivas com integrantes do partido. O governador eleito conhece a máquina partidária - teve uma passagem pela presidência nacional - e tem seus seguidores pelo Brasil afora. Mas se move apartado dos grupos dos grupos que se articulam para mudar o PSDB.

É certo, no entanto, que a discussão interna no PSDB está caótica. Ao mesmo tempo em que até o cardeal-mor do partido, Fernando Henrique Cardoso, reconhece que a legenda se distanciou da sua base social e propõe uma ligação maior com o movimento sindical e os movimentos populares, articula com mais ardor uma "identidade" oposicionista que congregue todos os partidos do lado de lá do governo. A derrota também serviu para eriçar os "desenvolvimentistas" tucanos, escanteados desde os governos FHC, que disputaram abertamente espaço político com o grupo da Casa das Garças, com predominância dos economistas monetaristas. O isolamento de Serra e o perfil de sua composição de poder podem enfraquecer este grupo, historicamente ligado a ele.

Fernando Henrique, por sua vez, está com as energias mais direcionadas para a articulação de uma oposição a Lula. No momento. Para o Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC) convergem interlocutores que não são parlamentares, que o ex-presidente pretende agregar num núcleo de formuladores de um projeto não apenas tucano, mas oposicionista. A idéia é que especialistas em diversas áreas atuem em rede e tenham a incumbência de formular propostas em cada uma delas e fiscalizar a administração Lula. Do lado de fora do IFHC, tem agendado reuniões para agregar outros partidos ao esforço de dar substância à oposição. Até agora, admitem uma ação oposicionista conjunta os consultados no PFL e no MD (o partido que resultou da fusão do PPS com o PMN e o PHS), sendo que, nesse último, espera-se uma defecção de pelo menos seis dos parlamentares eleitos. O Partido Verde, que está sendo consultado, está cindido. Contam também com o grupo dissidente de senadores do PMDB.

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