segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Lobby da PF articula emenda à Constituição


Um mês após a prisão do banqueiro Daniel Dantas, nenhum dos presos mais ilustres da Operação Satiagraha continua na carceragem da Polícia Federal. O banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o doleiro Naji Nahas foram soltos por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) , a PF tornou mais agressivo o lobby por mais autonomia, nos termos de um projeto de emenda constitucional em tramitação no Congresso, e o governo permanece tão confuso quanto estava em 8 de julho sobre o que efetivamente ocorre na Polícia Federal. O diagnóstico mais freqüente é que a PF está fora de controle.

Na origem da confusão pode estar o que o deputado Laerte Bessa (PMDB-DF), um ex-delegado de polícia autor da emenda constitucional que dá independência aos federais, chama de "vinculação" da PF com o Executivo. "Não é incomum ingerência indevida em certas investigações ou ordens voltadas à exacerbação das ações policiais contra aqueles que se opõem ao governo", diz o deputado na justificativa do projeto, assinado por sete outros congressistas de origem policial. Entre eles Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI dos Grampos.

O projeto prevê a criação do cargo de delegado geral da República, com mandato estabelecido pelo Congresso, uma polícia judiciária constituída nos moldes e com a autonomia de um poder como é, por exemplo, o Ministério Público Federal. A independência da PF une agentes e delegados, como se viu na série de manifestações, semana passada, na CPI dos grampos. Do delegado Protógenes Queiroz - encarregado da Operação Satiagraha - ao atual diretor-geral Luiz Fernando Corrêa, é corrente a idéia de uma polícia de Estado independente da alternância partidária no Palácio do Planalto. Idéia que a PF exercitou ao precipitar a Operação Satiagraha. O único problema é que a repetição de excessos policiais e o caráter de espetáculo dado às prisões deu munição a áreas que há muito se sentiam incomodadas com as ações da PF. Do presidente da República, Lula da Silva, ao do Supremo, Gilmar Mendes.

Ainda há muitos aspectos obscuros entre a prisão de Dantas, Pitta e Nahas, ao amanhecer de 8 de julho, até a destituição de Protógenes do inquérito que era tocado pela PF há quase quatro anos - com a chegada do PT ao governo -, mas ganhou força com as descobertas feitas pela CPI do Mensalão sobre o papel de Daniel Dantas no esquema para a compra de votos de deputados. Um dos segredos mais bem guardados da PF é quem tirou Protógenes do caso, decisão que o governo tentou vender como natural porque o delegado estava matriculado num curso da Academia de Polícia Federal.

O próprio delegado, por mais de uma vez, insinuou que este não fora o motivo - ele estava disposto a continuar, nos fins de semana. O Valor apurou que Protógenes foi afastado por decisão dos próprios colegas da PF. Para os policiais, Protógenes colocou em risco o bem mais valioso que a PF julga ter para reivindicar sua independência não só por ter transformado as prisões num espetáculo, como pelas declarações que deu à imprensa na condição de paladino da moralidade pública. Numa dessas entrevistas, o delegado chegou a afirmar que estaria atento à criação do Fundo Soberano - um projeto do ministro Guido Mantega, da Fazenda - para evitar eventual malversação do dinheiro público.

O Valor apurou também que Tarso Genro (Justiça), no topo da cadeia de comando, e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, só souberam do afastamento de Perotógenes quando ele já estava sacramentado. Até desencadear a Operação Satiagraha, Protógenes também agira de acordo com o manual da PF autônoma e independente: ele sonegou vários passos da operação ao comando hierárquico. Além disso, recrutou, sem o conhecimento dos superiores, arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para ajudar no trabalho - as duas agências rivalizam e não costumam trocar figurinhas uma com a outra.

É possível que isso tenha ocorrido por uma decisão hoje considerada errada por setores do Palácio do Planalto: a nomeação de um ex-diretor da PF, Paulo Lacerda, para o comando da Abin. Com Lacerda, seguiu também para a Abin seu braço direito e ex-diretor de inteligência, Renato Porciúncula. No Planalto a recepção ao recém-chegado não foi das melhores: ele nem bem se acomodou no cargo e já estava sendo investigado por usar um automóvel BMW apreendido de um traficante. Uso autorizado pela Justiça, a pedido da PF, segundo policiais.

O equívoco teria sido cometido devido à insistência do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos na nomeação de Lacerda para a Abin. Graças à atuação da dupla MTB-Lacerda a credibilidade da PF com suas sucessivas ações de combate à corrupção estava em alta, como está até agora graças à repulsa social à impunidade. Ao trocar um lugar pelo outro, Lacerda teria pedido para que Protógenes fosse mantido no inquérito que investigava as atividades de Dantas - uma ponte Abin-PF.

Lacerda já havia se tornado integrante de um time que era grande no governo: o dos inimigos de Daniel Dantas, que entre outros contava com Luiz Gushiken e o presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, Sérgio Rosa. O chefe da Abin, segundo fontes ouvidas pelo Valor, atribuía a Dantas um dossiê com supostas contas secretas de autoridades brasileiras no exterior, entre eles Lula e Lacerda.

As operações aproximaram Lula de Gilmar Mendes e deixaram a oposição em estado de alerta

A investigação sobre DD ganhou impulso no decorrer da CPI do Mensalão - o esquema de pagamento a parlamentares em troca de votos denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Diante da suspeita de que o banqueiro alimentara o esquema, a CPI discutia a sua convocação para depor, o que incomodou o Planalto. Dois emissários do governo estiveram então com Daniel Dantas, que naquele momento - 2005 - já teria manifestado a vontade de sair das telecomunicações . Também fez amargas queixas contra o governo do PT. Alegou que fizera tudo o que lhe fora pedido, inclusive em relação a campanhas eleitorais, mas era implacavelmente perseguido. Um desses emissários diz que DD alegou que dera R$ 15 milhões ao esquema, além de US$ 10 milhões no exterior, para o pagamento de propaganda eleitoral.

À época, Dantas dizia - como diz hoje, segundo as fontes consultadas pelo Valor -que tinha muito o que falar do governo. Mas seu depoimento na CPI foi morno, profissional. Além dos dois emissários, o banqueiro também conversou com o ministro Márcio Thomaz Bastos e os deputados Sigmaringa Seixas (PT-DF) e José Eduardo Cardozo (PT-SP) num jantar na casa do senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Havia a preocupação que o depoimento de Dantas lançasse o governo numa crise ainda pior, o que acabou não ocorrendo. Foi por causa dessa conversa que Sigmaringa e Cardozo ganharam a fama de integrantes da "bancada do Daniel Dantas" na Câmara - na realidade, Sigmaringa não aprofundou relacionamento algum com DD, assim como Eduardo Cardozo, embora mais adiante tenha assumido uma posição semelhante à de DD em relação à privatização de uma telefônica gaúcha.

Para o PT, as operações da PF eram consideradas exemplo de governo não conivente com a corrupção até que as ações começaram a bater em suas portas. Uma das que mais deixaram Lula irritado foi a tentativa da PF de prender seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá, por tráfico de influência. Vavá é classificado entre os próximos de Lula como um "simplório", alguém incapaz de fazer tráfico de influência a ponto de determinar decisões de governo. Logo, a impressão de que a operação tinha um único objetivo: atingir Lula.

No caso específico contra Vavá ficou claro que a PF já não respondia à cadeia de comando. À época, Lula estava no exterior e o vice José Alencar exercia o cargo interinamente. Estava em São Paulo, na companhia de Tarso Genro e petistas, quando o ministro da Justiça recebeu um telefonema: eram os agentes da PF que se encontravam à porta do irmão do presidente informando que cumpririam um mandado de busca e apreensão na casa de Vavá. Só então Lula foi informado e não teve outra saída a não ser declarar que seu governo não tolerava privilégios. Mas reclamou dos vazamentos, dos grampos e defendeu o irmão: "Vavá está mais para ingênuo do que para lobista".

Entre os amigos de Lula, a reportagem do Valor não encontrou um que não confirmasse que o presidente não gosta de DD. Por isso ficou aborrecido quando soube que o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh dissera que pedira sua autorização antes de advogar para o banqueiro do Opportunity. Lula e Greenhalgh já foram muito próximos, continuam amigos, mas já não tanto quanto antes. É certo que quando soube que sua prisão preventiva também havia sido pedida - e negada pelo juiz - Greenhalgh esbravejou com amigos que não fizera nada de errado e que Lula sabia que ele estava trabalhando para DD.

Depois, disse a interlocutores que nunca pedira autorização do presidente para trabalhar com Dantas. Apenas o informara. Lula teria dito que não podia se envolver na vida privada do ex-deputado. Mesma resposta, aliás, que LEG ouviu de Dilma Roussef. Mas a ministra da Casa Civil, pelo menos, viu na associação a possibilidade de se encerrarem os conflitos entre o banqueiro e seus sócios, os fundos de pensão, o que de fato acabou ocorrendo e deve viabilizar a fusão das telefônicas BrT e Oi.

O constrangimento no Planalto é que LEG acabou sendo o elo apontado pela polícia entre DD e o governo Lula, graças à interceptação do telefonema em que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, diz a Greenhalgh que, de fato, agentes da Abin, fora da escala de serviço, seguiam um cliente seu. O fato, então apontado como tráfico de influência pela PF, hoje é visto por setores do Planalto como uma denúncia feita pelo advogado Greenhalgh de atividades ilegais praticadas por agentes da Abin em associação com a PF.

De qualquer forma, assim como ocorrera no episódio Vavá, ficou deste caso a desconfiança no Planalto de que os alvos da PF eram Lula e o PT. O que ninguém sabe dizer é qual o propósito da Polícia Federal. Estariam sendo especialmente investigados os ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) e Marta Suplicy (Turismo), candidata à Prefeitura de São Paulo. Independente do que fez ou deixou de fazer Daniel Dantas, um interlocutor de Lula adverte: "Ninguém está atento à gravidade do que está ocorrendo no país", diz. "Por que a oposição está calada", pergunta, para ele mesmo responder: "É porque já percebeu a gravidade e os riscos institucionais da situação".

Na Operação Xeque-Mate, na qual foi apanhado Vavá, a oposição teve o mesmo comportamento. No Congresso, o senador Gerson Camata chegou a pronunciar discurso de solidariedade ao irmão do presidente no qual dizia que o objetivo da operação não era propriamente Vavá, mas Lula. É o que agora se repete nos meios próximos ao presidente, que dão graças a Deus à revogação, pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, dos pedidos de prisão contra as estrelas da Operação Satiagraha. Depois disso, Lula e Gilmar ficaram mais próximos que antes. O que nenhum interlocutor de Lula até agora afirmou é que o presidente vai transformar sua contrariedade em mudanças nos quadros da PF e da Abin.

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