Causou revolta e indignação entre militares da ativa e da reserva a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de instalar audiência pública para definir responsabilidades civis e criminais de agentes do Estado que mataram e praticaram torturas durante o governo militar.
Para eles, isso “é puro revanchismo” e significa reabrir feridas de um problema que foi resolvido com a Lei de Anistia. Mas advertem que, se querem reabrir feridas, que reabram todas, dos dois lados, julgando também autoridades que estão hoje no governo e que praticaram, na avaliação dos militares, atos de tortura e terrorismo.
“Será que quem seqüestrou o embaixador norte-americano e o prendeu dizendo, todo dia, que ia matá-lo não cometeu ato de tortura da mesma forma, igualmente condenável?”, desabafou ao Estado o presidente do Clube Militar, general-de- Exército da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, que marcou para o dia 7 de agosto fórum de debates semelhante ao organizado por Tarso, na sede da instituição, no Rio.
“Se for para julgar quem torturou, vamos julgar todos, inclusive muitos que estão na cúpula do governo hoje e tem até ministro de Estado”, prosseguiu. O ministro da Comunicação de Governo, Franklin Martins, foi um dos idealizadores do seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick.
O general Figueiredo ressaltou que “tortura é reprovável em qualquer situação” e emendou: “Existe uma lei de anistia e a única forma de se punir os militares que praticaram estes atos de tortura, que considero reprováveis, é anular a lei, porque o outro lado também cometeu atos hediondos, em diversas ocasiões, que precisam ser julgados da mesma forma.”
No Palácio do Planalto, o assunto é tratado com muita cautela. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta evitar polêmica e prefere que o tema não volte à baila. Apesar de saber que, além de Tarso e Paulo Vannucci (Direitos Humanos), a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, endossa o debate, Lula não gostaria de ver aberto novo flanco de batalha no governo e teme que, por causa disso, o Brasil vá para julgamento no Tribunal Penal Internacional. O presidente, no entanto, não interferiu diretamente no caso.
No Planalto, o entendimento é que o assunto, em alguma hora, terá de ser enfrentado para ser superado. A maior dificuldade, segundo interlocutores, é que os dois lados têm razão. No governo, porém, todos fazem questão de dizer que não há quem acredite que os arquivos do regime militar tenham sido queimados, como alegam militares.
Embora na cúpula do Exército haja oficiais-generais defendendo que o comandante da Força, general Enzo Martins Peri, se pronuncie contra o posicionamento de Tarso, ele optou por não falar ontem. Hoje, o ministro da Defesa, Nelson Jobim - que também não quis comentar - e o general Enzo viajarão juntos para o Recife, onde participam da posse do novo comandante militar do Nordeste, general Marius Teixeira Neto. No vôo, debaterão o assunto e podem tomar decisão.
FERIDAS
Ontem, a cúpula militar fazia perguntas sobre a atitude de Tarso e queria saber a quem interessa a polêmica. “Onde querem chegar, ao nosso julgamento?”, indagavam oficiais-generais, que ironizavam dizendo que, se entendem que é preciso “lamber as feridas, que procurem as suas também, entre os que assaltaram e mataram inocentes, seqüestraram embaixadores e outros diplomatas e praticaram atos de terrorismo matando civis”.
O presidente do Clube Militar ressaltou ainda que, ao tentar reabrir a discussão, os que estavam “do outro lado” e também praticaram crimes “vão se dar mal”. Segundo o general, quem cometeu ato de tortura certamente não deixou isso registrado em papel nenhum. “Mas os assassinatos, os assaltos a banco, os seqüestros, estão todos registrados”, disse, acentuando que os crimes praticados pelo “outro lado” foram tão abomináveis como os outros