O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), propôs que a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, seja demarcada de forma contínua, com a saída dos agricultores que plantam arroz nas terras. Relator do caso, Ayres Britto rejeitou a idéia de criação de “ilhas” para populações indígenas. O relator foi o único dos 11 membros do STF a votar no primeiro dia do julgamento, pois o ministro Carlos Alberto Direito pediu vistas do processo, adiando a decisão. A causa das tribos foi defendida pela advogada Joênia Batista Carvalho, primeira índia a obter registro da OAB.
A reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, tem de ser demarcada de forma contínua e os arrozeiros que cultivam terras na região têm de abandonar o local. Esse foi, em síntese, o voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto no julgamento que vai definir a forma de demarcação da reserva, iniciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF). Baseando-se em artigos da Constituição, o ministro disse que a demarcação de terras indígenas deve ser sempre contínua, rejeitando assim a proposta de alguns parlamentares e do governo de Roraima de criar "ilhas" para as populações indígenas que vivem na reserva.
"O formato de toda e qualquer demarcação indígena é o contínuo. Porque somente ele viabiliza os imperativos constitucionais", definiu Ayres Britto.
O relator foi o único dos 11 membros do Supremo a votar ontem. Já no meio da sessão os ministros davam como certo o pedido de vista. Coube a Carlos Alberto Direito, o primeiro a votar depois do relator, pedir o adiamento da sessão. O regimento do STF determina que o processo deve ser devolvido para a retomada do julgamento em até 20 dias, mas esse prazo pode ser descumprido. O presidente da Corte, Gilmar Mendes, afirmou que espera concluir o julgamento "até o final deste semestre".
CERCAS
"As terras já eram e permanecem dos indígenas", afirmou Ayres Britto, em seu voto. "Os rizicultores passaram a explorar as terras em 1992. Eles não têm direito adquirido às posses."
Segundo ele, não há problemas na avaliação antropológica feita para basear a demarcação. Além disso, afirmou, os plantadores de arroz degradam o meio ambiente com o uso de agrotóxicos.
O relator observou que os índios não se acostumam a viver cercados. "São visceralmente avessos à idéia de guetos, cercas, muros, grades, viveiros", ressaltou. "Se as terras permanecem indígenas, a despeito dos empreendimentos públicos nela incrustados, nem por isso a União decai de seu poder-dever de comandar, de coordenar o uso contínuo de tais empreendimentos."
Ainda segundo o ministro, não há nenhum impedimento para que índios vivam em faixas de fronteira. "A Magna Carta Federal não fez nenhuma ressalva quanto à demarcação em faixa de fronteira", disse.
Ayres Britto classificou como tentativa de desviar o foco da discussão o argumento de que a ocupação pelos índios poderia atentar contra a soberania nacional. "Não é por aí que se pode falar de abertura de flancos para o tráfico de entorpecentes e drogas afins, nem para o tráfico de armas e exportação ilícita de madeira. Tampouco de perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio de foco ou cortina de fumaça para minimizar a importância do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazônia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras."
ENTREVISTA
Durante o julgamento, ele citou entrevista do professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio, Viveiros de Castro, concedida aos jornalistas Flávio Pinheiro e Laura Greenhalgh e publicada pelo Estado em abril. Na entrevista, o professor falou sobre a contribuição dos índios para a integridade territorial do País. Ayres Britto citou declaração de Viveiros: "Os índios foram decisivos para que o Brasil ganhasse da Inglaterra. Dizer que viraram ameaça significa, no mínimo, cometer uma injustiça histórica."
O ministro disse ainda que o processo de demarcação das terras indígenas, previsto na Constituição de 1988, está atrasado. De acordo com a Constituição, esse processo deveria ser realizado num prazo de cinco anos.