quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O caminho da fraude no Senado


“Vamos beber vinho”. Com esse código, empresários negociaram um esquema de fraudes em licitações milionárias no Senado que contou com informações privilegiadas repassadas por funcionários da Casa. Gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça revelam como a Conservo, a Ipanema e a Brasília Informática tramaram juntas as jogadas para excluir concorrentes e vencer as licitações para fornecer mão-de-obra terceirizada.

Com a ajuda de servidores do Senado, as empresas descobriam quem estava interessado em determinada concorrência, faziam acordos por fora com compensações financeiras, e decidiam com antecedência o resultado da licitação. Os diálogos, muitos com o uso de códigos, demonstram intimidade entre os empresários e os funcionários da Casa.

Em 11 de abril de 2006, Aloysio Brito Vieira, então secretário de Compras do Senado, recebeu uma ligação de Victor João Cúgola, dono da Conservo. O servidor do Senado chama o empresário de “irmãozinho” nessa conversa. Segundo o MP, Cúgola telefonou para reclamar que o Senado estaria dificultando a vida da Conservo. “Puxaram meu tapete”, disse.

No dia 5 de maio daquele ano, o Diário Oficial da União publicou a vitória da empresa na licitação para condução e manutenção de veículos do Senado por R$ 456 mil por mês. Em 2 de julho passado, o Correio revelou que esse contrato deveria terminar em 1º de junho deste ano, mas foi prorrogado sem licitação até 31 de maio de 2009.

No diálogo, Aloysio Vieira, que hoje cuida da Secretaria de Fiscalização e Controle do Senado, conta a Cúgola que o dono da Ipanema, José Carlos Araújo, o informou que teria um “contrato” com o colega da Conservo. Para o MP, isso confirma que Aloysio sabia que havia um acordo entre as duas empresas: a perdedora receberia uma compensação financeira.

Em 24 de março de 2006,a Ipanema assinou contrato para prestar serviços de mão-de-obra indireta para a Secretaria de Comunicação Social e outros órgãos do Senado. Seis dias depois, Victor Cúgola, da Conservo, admite ter “combinado” uma compensação de R$ 4 milhões da Ipanema referente a essa concorrência, segundo a denúncia do MP. Esse contrato, aliás, foi prorrogado até 30 de março do ano que vem.

As transcrições das conversas aparecem em relatórios do Ministério Público Federal com base em inquérito da PF. No material, obtido pelo Correio, surgem dois nomes de alto calibre: o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, e o primeiro-secretário, senador Efraim Morais (DEM-PB). Ambos são citados pelos empresários e por funcionários da Casa (leia na página 3).

Esses contratos sob suspeita somam mais de R$ 35 milhões e foram prorrogados este ano sem licitação, o que atende ao desejo do esquema, segundo o MP. Isso porque, diz a denúncia feita pelos procuradores da República, o objetivo das empresas é se perpetuar dentro do Senado. “As apurações evidenciam a existência de uma grande organização criminosa”, destaca o documento.

Segundo os relatórios, um ex-servidor do Senado, Eduardo Bonifácio Ferreira, era o intermediário das negociações. De acordo com a investigação, ele e os donos das empresas marcaram encontros no Parque da Cidade entre fevereiro e março de 2006 pela manhã e à tarde para beberem “vinho”. Na interpretação dos investigadores, a bebida seria um código usado para disfarçar a negociação pelas concorrências do Senado. As autoridades que comandaram a investigação levantaram a possibilidade de que o pagamento de propina teria sido feito nesses encontros.

Numa conversa com Márcio Fontes, da Brasília Informática, Paulo Duarte diz que está com um “menino lá dentro” do Senado. Para o MP, isso reforça a tese de que os funcionários da Casa repassavam informações privilegiadas aos empresários. O esquema começou na gestão de Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência da Casa e teria continuado agora na gestão de Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Os donos da Conservo e da Ipanema, e os servidores do Senado Dimitrios Hadjinicolaou e Aloysio Vieira foram denunciados em março deste ano por improbidade administrativa. O documento foi baseado na investigação feita em 2006 pela PF e pelo MP.


Memória
PF desmonta golpe


A Operação Mão-de-Obra ocorreu em 26 de julho de 2006. Foram mobilizados 170 agentes federais para cumprir mandados de prisão expedidos pela Justiça contra servidores públicos e empresários, entre eles os empresários Victor João Cúgola (dono da Conservo) e José Carlos Araújo (dono da Ipanema). Houve buscas e apreensões de documentos em cinco órgãos federais — Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ministérios da Justiça, do Trabalho e da Ciência e Tecnologia, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Senado.

A ação teve origem em denúncia sobre fraude em licitações e superfaturamento de contratos desses órgãos com três empresas fornecedoras de mão-de-obra terceirizada — Conservo, Ipanema e Brasília Informática. A primeira denúncia lançava suspeitas apenas sobre contratos na pasta da Justiça. Depois, a investigação abarcou todos os locais em que elas haviam vencido licitações.

A PF indiciou 19 pessoas, atribuindo a elas crimes como formação de quadrilha e cartel, fraude em licitação e corrupção. Baseado no inquérito policial, a Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou 18 acusados à Justiça Federal — a acusação foi transformada em ação penal. Tramitam também ações contra elas por atos de improbidade administrativa.

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