terça-feira, 17 de abril de 2007

Retratos do porão

Descritos como aliados da “subversão” no livro do Exército, muitos personagens se tornaram referência nacional e outros caíram em desgraça

O pensador Karl Marx e o cantor Chico Buarque. O governador José Serra (São Paulo) e o revolucionário Vladímir Ilitch Lenin. O comunista Luís Carlos Prestes e o filósofo Friedrich Engels. O escritor Fernando Morais e o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Todos são personagens do livro secreto do Exército, numa lista que inclui mais de 1,7 mil pessoas. A grande maioria dos citados é jogada dentro de um mesmo saco: quando não são chamados de comunistas são classificados como “subversivos” ou “terroristas”. A obra traz muitos dados banais sobre eles, retiradas de jornais e revistas, e outros até hoje pouco conhecidos, que foram colhidos em investigações da comunidade de informações ou obtidas em interrogatórios de presos políticos. Na leitura das 966 páginas do livro, percebe-se uma grande variação na qualidade dos fichários consultados pelos oficiais-escritores do serviço secreto do Exército. A seguir, uma pequena mostra dos personagens do livro, mostrando como eles foram retratados na obra e o que aconteceu com eles posteriormente:


Chico Buarque

Cantor e compositor


O que diz o Exército no livro secreto
Autor de “canções compostas sob a ótica da visão marxista”, Chico encarna a “infiltração comunista nos meios intelectuais, científicos e artísticos”.


O que aconteceu depois
Chico reafirmou-se como uma das maiores referências culturais do país. No ano 2000, recebeu o Prêmio Roma-Brasília Cidade da Paz, concedido pela prefeitura da capital italiana, onde viveu como exilado político entre 1969 e 1970. Publicou três livros de ficção que o projetaram como um dos grande autores nacionais. Apoiou o PT em todas as eleições para a Presidência da República e é um dos defensores do governo Lula. Permanece sendo um aliado do governo de Fidel Castro.


José Serra

Político


O que diz o Exército no livro secreto
Ex-exilado político no Chile e militante da AP (Ação Popular), Serra integrava a frente criada para propagar, no exterior, “falsas denúncias” de assassinato e tortura de presos políticos no Brasil. No esquema de disseminação de “notícias deturpadas” sobre o país, era um “ativo pombo-correio” no circuito Chile/Uruguai.


O que aconteceu depois
Foi eleito deputado federal, senador e prefeito de São Paulo e ocupou os ministérios do Planejamento e Saúde. No ano passado, elegeu-se governador de São Paulo pelo PSDB com 12,3 milhões de votos. Denúncias de tortura e eliminação de opositores no Brasil foram comprovadas até mesmo com testemunho de ex-agentes da repressão.


Antonio Callado

Jornalista e escritor


O que diz o Exército no livro secreto
É um dos artistas e intelectuais que, “forjados nos bares de Ipanema, tomaram a postura `revolucionária´, sempre, porém, insuflando os outros, particularmente os jovens”.


O que aconteceu depois
Considerado um dos grandes nomes da cultura nacional, o jornalista, Callado recebeu diversos prêmios no Brasil e no exterior. Em 1989, foi eleito “intelectual do ano” pelos membros da União Brasileira de Escritores. Em novembro de 1990, representou o Brasil nas comemorações do centenário do general Charles de Gaulle, na França. Quatro anos depois, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Morreu em 1997 aos 80 anos de idade.


Cabo Anselmo

Ex-marinheiro, ex-informante da repressão



O que diz o Exército no livro secreto
Foi um dos líderes do movimento de marinheiros que, a partir de 1963, rebelou-se contra o comando das Forças Armadas e apoiou as propostas radicais de João Goulart. Preso na “revolução de 1964”, fugiu da cadeia e saiu do país. Em 1970, voltou clandestinamente ao Brasil e foi recrutado pela VPR. No ano seguinte, “apavorado” com a prisão e morte de “subversivos”, apresentou-se de forma espontânea ao Dops de São Paulo, “e passou a trabalhar para a polícia”. Jurado de morte por guerrilheiros que sobreviveram à repressão, passou a viver escondido.


O que aconteceu depois
Pesou sobre a Anselmo a acusação de que ele era, desde 1963, um agente da CIA. Soube-se depois que também trabalhava para o serviço secreto da Marinha, o Cenimar. Em 2004, advogados de Anselmo deram entrada a um pedido de indenização no Ministério da Justiça, argumentado que ele tinha sido prejudicado pelo regime militar. Sua reivindicação ainda não foi apreciada. Ele continua vivendo escondido.


Geraldo Vandré

Cantor

O que diz o Exército no livro secreto
Faz parte do grupo de artistas que serviram à operação de “infiltração” de Cuba desencadeada em 1968. Com sua postura calculada, o músico foi retratado em jornais como “mártir da censura da ditadura”.


O que aconteceu depois
Na volta do exílio, o autor de Pra não dizer que não falei de flores, passou a sofrer de depressão. Deixou de se apresentar em público dizendo que a imagem de mártir tinha abafado sua obra. Na década de 1990, numa solenidade da Aeronáutica, interpretou Fabiana, música que fez em homenagem à FAB. Vive em São Paulo.

Fernando Henrique Cardoso

O que diz o Exército no livro secreto
Em 1972, quando diria o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em São Paulo, Fernando Henrique reuniu-se com o “subversivo” Istvan Jancso, que à época procurava reestruturar o Movimento Popular de Libertação (MPL).


O que aconteceu depois
FHC foi eleito senador em 1986 pelo PMDB e, no ano seguinte, fundou o PSDB. No governo Itamar Franco, foi ministro de Relações Exteriores e da Fazenda, onde comandou a equipe que idealizou e implantou o Plano Real. Em 1994, foi eleito, no primeiro turno, presidente da República. Quatro anos depois, foi reeleito. Nos seus oito anos de governo, impôs uma agenda liberal na economia, com a privatização de dezenas de empresas, rodovias e serviços públicos. Atualmente é um dos principais líderes da oposição ao governo Lula.


Virgílio Guimarães

O que diz o Exército no livro secreto
Integra a Organização Revolucionária Marxista/Democracia Socialista (ORM-DS), agrupamento de esquerda clandestino. Com pretensões de tomar o poder por meio da luta armada e da violência revolucionária, a ORM-DS finge ter se incorporado ao Partido dos Trabalhadores. O objetivo da organização a qual pertente, porém, é “assaltar a cúpula” do PT, a fim de transformá-lo num “partido revolucionária”.


O que aconteceu depois
Depois de compor a Assembléia Nacional Constituinte, em 1988, Virgílio foi eleito vereador de Belo Horizonte e, em seguida, disputou e ganhou três eleições consecutivas para deputado federal. Atualmente é presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. A ORM-DS extinguiu-se.


Pedro Casaldáliga

Religioso


O que diz o Exército no livro secreto
Integrante da frente que divulgava “notícias deturpadas”. Textos “tendenciosos” de Casaldáliga, com “falsos” relatos de tortura e assassinato, eram publicados em Roma.


O que aconteceu depois
Apesar das ameaças de morte e expulsão do Brasil, Casaldáliga — bispo de São Félix do Araguaia (MT), poeta e um dos nomes da Teologia da Libertação — continuou sua luta contra o latifúndio. Permanece acreditando que “o capitalismo é um pecado capital” e que o “socialismo pode ser uma virtude cardeal”. Apoia o governo Lula, mas critica a demora na implantação da reforma agráfia. Aposentou-se do cargo de bispo em 2005. Ainda hoje, aos 79 anos, vive em São Félix.

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