quarta-feira, 11 de abril de 2007

Tolerantes ao intolerável

É digna de inveja a capacidade argentina de se indignar e protestar contra qualquer coisa. Essa mobilização é fruto da consciência política dos nossos vizinhos e tem como principal benefício a revitalização da democracia. Dois casos recentes demonstram o apreço argentino pela liberdade de expressão. Na segunda-feira, diversas cidades foram paralisadas por grevistas revoltados com a morte do professor Carlos Fuentealba, da longínqua província de Neuquén. Ontem, caminhoneiros isolaram a embaixada do Brasil em Buenos Aires para exigir a manutenção de 2,5 mil postos de trabalho vinculados à Quilmes, cervejaria adquirida pelo consórcio belgo-brasileiro Inbev.

Aos gritos de “isto não é o Brasil, não é a Bélgica”, os transportadores exigiram respeito às leis argentinas e ameaçaram com uma greve nacional caso não haja acordo. Uma paralisação de professores das redes pública e particular, além de funcionários dos transportes públicos, se espalhou anteontem de Neuquén para os grandes centros do país, em repúdio à repressão policial que terminou na morte de Fuentealba. Se uma vítima desencadeou tal reação, nós, brasileiros, devemos nos perguntar se não estamos lenientes demais com nossa rotina de violência e impunidade.

Na Argentina, piquetero (manifestante de rua) é praticamente uma profissão. São tantos protestos que há conceitos para defini-los. O escracho, um tipo de manifestação, consiste num ato direcionado especificamente contra uma pessoa — por exemplo, um plantão em frente à casa de um político acusado de receber propina. O cacerolazo (panelaço) ganhou notoriedade em 2001 e 2002, quando os argentinos perderam o sono por conta do corralito, o confisco de depósitos bancários no auge da pior crise econômica da história do país.

Nada parecido surgiu no Brasil quando o presidente Fernando Collor confiscou as economias de quem tinha mais de Cr$ 50 mil, ou quando reparamos que a CPMF passaria de provisória para permanente, ou durante a prolongada e previsível crise que nos deixou sem transporte aéreo. Os outros é que são muito exigentes ou será que estamos tolerantes demais ao intolerável?

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