quinta-feira, 15 de março de 2007

Foro privilegiadíssimo

É iminente o risco de que o abominável instituto do foro privilegiado se torne ainda mais desprezível, ampliando a desigualdade entre os brasileiros, em clara afronta ao Estado Democrático de Direito. Na terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), antes contrário à proposta de blindar com a prerrogativa também ex-presidentes da República, ex-ministros e ex-parlamentares, anunciou a disposição de pôr logo em votação projeto de emenda constitucional (PEC) que vai além: remete ao Supremo Tribunal Federal inclusive processos a que essas ex-autoridades eventualmente respondam por crimes comuns e improbidade administrativa.

O caminho para a aberração está, pois, aberto. A PEC 358 já passou pelo Senado, pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial criada especificamente para debater o tema. Se o plenário da Câmara bater o martelo, estará facilitada, de imediato, a vida dos 95 parlamentares com pendências na esfera jurídica que não conseguiram a reeleição. Entre eles, 70 dos 84 denunciados por suspeita de envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Mas não só eles. O manto de proteção não disponível aos mortais comuns se estenderá a todos os que, ex-ocupantes dos cargos citados, houverem se valido deles para se apropriar de bens ou valores, recolhido ou solicitado vantagem indevida para si ou terceiros.

A história não permite antever luz ao final do tenebroso túnel a ser aberto pela PEC. Ao contrário. O que se vislumbra é a impunidade. De 1996 a 2006, 20 ações criminais envolvendo políticos foram julgadas em definitivo pelo Supremo. Ninguém foi condenado. O placar revela sete absolvições e 13 prescrições (os processos terminaram extintos, porque o tempo para punição havia vencido). É essa facilidade que se quer ampliar, quando a opinião pública clama por justiça no país. Pior: com o agravante de entulhar a instância máxima do Judiciário brasileiro, já carente de estrutura e sem capacidade de impor o ritmo necessário para que a tramitação das ações não seja atropelada pelos prazos.

A motivação foi a condenação à prisão, por roubo, do deputado Paulo Maluf (PP/SP) pela Justiça dos Estados Unidos, com base em provas colhidas pelo Ministério Público de Nova York. Lembrou-se que naquele país, como nas nações de maior tradição democrática, o cidadão é julgado no juízo comum, mesmo que detentor de mandato parlamentar ou titular de poder político. Mostrou-se que foro privilegiado é violação à democracia. Agora, dois dias depois, o presidente da Câmara brasileira não só demonstra interesse em votar matéria que torna o instrumento mais abjeto como manifesta mudança de opinião, segundo ele, após ouvir “ponderações de deputados e juristas”. Ou a sociedade reage rápido, ou a impunidade campeará.

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