sexta-feira, 30 de março de 2007

'Lula passou a tomar mais decisões com ele mesmo'

Ex-secretário diz que sai com missão cumprida e conta que, sobre alguns assuntos, o presidente só conversa com dona Marisa

O ex-porta-voz e ex-secretário de Imprensa da Presidência André Singer, que passou o cargo ontem para o jornalista Franklin Martins, reconhece que, nos primeiros anos do primeiro mandato do presidente Lula, houve uma atitude mais recuada da parte do governo em relação à imprensa, o que foi prejudicial, na sua opinião. Mas Singer rebate as críticas de que Lula menospreza o papel da imprensa e afirma que há preconceitos disseminados na sociedade, como o que diz que o presidente não trabalha. O jornalista, que voltará a dar aulas na USP e se prepara para escrever um livro sobre sua experiência no Planalto, evitou, porém, comentar a união de atividades distintas, como imprensa e publicidade, na Secretaria de Comunicação.

Que análise o senhor faz do período em que permaneceu à frente da Secretaria de Imprensa e como porta-voz?
ANDRÉ SINGER: A questão central que estava posta para mim era manter a ponte de diálogo com a imprensa aberta. Eu tinha uma visão de que poderíamos passar por períodos muito duros nessa relação e que minha missão seria a de fazer com que esse trânsito na ponte estivesse sempre desimpedido. Saio com a sensação de missão cumprida.

No período, houve erro na relação do governo com a imprensa, ou, ao contrário, da imprensa com o governo?
SINGER: Da parte do governo, num primeiro momento, houve uma atitude mais recuada com relação à imprensa, o que causou um estreitamento dos canais de comunicação e foi prejudicial. Acho que isso hoje está superado. Do lado da imprensa, eu diria que, em certos momentos da crise política, em 2005, houve setores que não trataram dos assuntos com o necessário equilíbrio.

Quais setores?
SINGER: Não gostaria de nomear.

Como é seu trato diário com o presidente nesta questão da imprensa? Ele se irrita com as notícias?
SINGER: O presidente falou com a imprensa ao longo de todos estes anos. Neste último ano e meio, de fato, conseguimos aumentar a freqüência. Eu consegui ter uma relação de trabalho com o presidente muito constante. Converso com ele várias vezes ao dia e ele teve a generosidade de me franquear o acesso ao seu gabinete.

Muitas declarações públicas do presidente dão a entender que ele menospreza o papel da imprensa. O senhor sente isso?
SINGER: Não, pelo contrário. O presidente reiterou, em pelo menos duas ocasiões, que ele deve a carreira política dele à liberdade de imprensa e ao papel da imprensa. O presidente tem uma consciência aguda do papel da imprensa enquanto alerta dos problemas.

Como o senhor vê a decisão de se juntar numa estrutura única ações de imprensa, publicidade e porta-voz? É um bom caminho?
SINGER: Não participei das discussões que levaram a esse formato que será adotado. Prefiro não opinar.

Mas o modelo que o senhor comanda não deu certo? Não é o melhor?
SINGER: Nós entendemos, no final de 2004, que havia uma superposição de funções entre o que era o gabinete do porta-voz e a Secretaria de Imprensa. Se juntássemos, teríamos ganho. Acho que essa tese se comprovou. Conseguimos, ao longo destes dois anos, uma melhora de relacionamento com a imprensa. Exemplo: essas entrevistas de passagens que o presidente dá, quando está saindo de um evento ou em viagens, tivemos 11 em 2005 e passaram para 58 em
2006.

Houve dois momentos complicados: um, a questão da expulsão do Larry Rohter, do "New York Times" (que publicou reportagem acusando o presidente de ser alcoólatra) e outro foi a entrevista que o presidente deu em Paris, para uma jornalista brasileira, no momento da crise. Como isso foi tratado no governo? SINGER: No primeiro caso, foi um episódio muito desagradável, no qual o governo, em nenhum momento, teve a intenção de expulsar qualquer jornalista do país. O que o governo buscava era uma retificação de informação. Assim que houve a retificação, o governo considerou o episódio encerrado.

E a entrevista em Paris?
SINGER: Sobre esse episódio, uma jornalista brasileira, que trabalhava para uma emissora de televisão francesa, queria acompanhar atividades do presidente ao longo de uma semana e ter uma conversa breve com o presidente para compor o perfil humano dele, que seria veiculado nessa emissora. A jornalista disse que, por se tratar de um programa para o público francês, não tinha interesse nas questões internas (a crise do mensalão, por exemplo). Para nossa surpresa, a jornalista começou a fazer perguntas sobre questões internas e, para nossa segunda surpresa, vendeu trechos para o "Fantástico", num comportamento antiético e antiprofissional.

Há algumas pessoas que defendem que agências de publicidade que trabalharam em campanha eleitoral não deveriam atuar no governo depois. O que o senhor acha?
SINGER: Não me aprofundei nesse tema, não tenho nenhuma relação com a área de publicidade e não tenho opinião formada sobre isso.

Como o senhor vê algumas pessoas do próprio governo, como Tarso Genro e Marco Aurélio Garcia, que vivem criticando a imprensa? Essas pessoas influenciam o presidente?
SINGER: A imprensa é um espaço de debate, do contraditório. Os atores políticos precisam agir dentro desse espaço aceitando que é um espaço de conflito. Houve momentos da crise política em que a setores da imprensa faltou equilíbrio. Alguns setores da imprensa trabalharam mais com a presunção de culpa do que da inocência.

Como o senhor vê a proposta de criar uma TV pública? Ela pode correr o risco de se transformar em um instrumento de propaganda do governo?
SINGER: Acho que o Brasil tem a ganhar com a ampliação de espaços não-comerciais que tornem ainda mais plural o ambiente da comunicação.

A imprensa é preconceituosa?
SINGER: Uma das minhas descobertas aqui foi de que o fenômeno do preconceito é mais importante do que eu imaginava. Exemplo: existe uma lenda que se disseminou, nos veículos de comunicação, de que o presidente não trabalha. Ele trabalha, no mínimo, 12 horas por dia. E, se não trabalha no fim de semana, que é uma verdade parcial, é porque a dona Marisa impõe que ele tenha um mínimo de descanso. Isso é uma mentira que só posso atribuir a uma forte dose de preconceito.

O presidente mudou muito nos quatro anos de governo?
SINGER: Acho que mudou. Ele passou a tomar mais decisões com ele mesmo. Eu sinto que ele está mais concentrado com seus próprios pensamentos e que ele foi se consolidando como estadista nesse período.

O senhor acha que essa mudança tem a ver com as pessoas que deixaram o governo, como José Dirceu e Luiz Gushiken, que lhe eram próximos?
SINGER: Uma característica muito particular do presidente é a longevidade das relações que estabelece. Ele está rodeado por pessoas que o acompanham há anos. Essas mudanças que observo, como maior concentração nas suas próprias reflexões, são decorrentes do exercício do cargo. Ele ouve muito dona Marisa. Tenho impressão de que algumas coisas o presidente só conversa com ela.

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