terça-feira, 13 de março de 2007

Palocci revela bastidores da Fazenda

As denúncias que, em março do ano passado, encerraram os 1.181 dias de Antonio Palocci à frente do Ministério da Fazenda cresceram em quantidade e intensidade conforme se aproximaram as eleições presidenciais. Subiram de tom na mesma proporção em que a oposição via dificuldades em impedir a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O tema ocupa pouco mais do que 30 das 256 páginas de Sobre formigas e cigarras, mas é um dos pontos altos do livro do ex-ministro Antonio Palocci, o homem que se tornou o czar da economia ao conduzir o processo de conquista da confiança dos mercados no governo Lula e caiu ao se ver confrontado com o caseiro Francenildo Costa. Lançado pela editora Objetiva, o livro chega hoje às livrarias de todo o país.

"Posso assegurar que não pratiquei qualquer ato que tenha ferido a lei e atentado contra as instituições do meu país, o governo do qual participei ou a minha família e os nosso valores", escreve Palocci no capítulo em que dá sua versão à denúncia de vazamento do extrato da conta bancária de Francenildo. Antes enfrentara outros duros ataques por suspeitas de irregularidades na gestão como prefeito de Ribeirão Preto. "Foi um período de grande desgosto", relata. "Certamente foi o momento mais difícil da minha vida".

É um livro de defesa da própria ética, mas é sobretudo uma obra de defesa das idéias econômicas do médico que, sem experiência na área ou no governo, foi conduzido ao mais alto posto da economia. Com o livro, Palocci quer mostrar o que chama de "lado humano" das relações do poder: como as relações são construídas, como as decisões são tomadas e como daí se interfere na vida de milhões.

Por "lado humano" entenda-se a tragédia pessoal do hoje deputado federal e as conversas que o conduziram ao posto de Ministro da Fazenda. Mesmo com as credenciais de coordenador do programa do então candidato do PT à Presidência e de chefe da transição administrativa, Palocci informa que não tinha a menor idéia do posto que o aguardaria. Imaginava ocupar o Ministério do Planejamento.

Lula o convidou no fim de 2002, Palocci aceitou de imediato e o resto é história. "Parecia uma escolha inverossímil para ministro da Fazenda de um país que passava por uma crise de credibilidade", opina no prefácio o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton. "Para a surpresa de muitos, o novo governo tomou iniciativas que levaram à rápida superação da crise".

Sem consensos. Conforme o Brasil acompanhou e o livro relata, Palocci foi alvo certo do chamado "fogo amigo" - as vozes de dentro e fora do PT contrárias à ortodoxia da Fazenda. "Até hoje continuam a apontar José Dirceu como o meu grande adversário dentro do governo", escreve Palocci. "Até tentei explicar que não era bem assim. Nunca consegui". O livro nega que os dois se engalfinhavam em "brigas por mais espaço no governo".



Palocci sondado para o Planalto

Em livro autobiográfico, ex-ministro da Fazenda revela que foi consultado por Gilberto Carvalho para concorrer à Presidência em plena crise do mensalão, porque Lula não queria a reeleição



Numa tarde fria de julho de 2005, na sala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no terceiro andar do Palácio do Planalto, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, estava sozinho com o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, quando foi surpreendido por uma afirmação. “O presidente está realmente pensando em não ser candidato. E nós vemos o seu nome como opção. O Ciro Gomes também é uma alternativa, mas percebemos uma preferência pelo seu nome”, declarou Gilberto.

Essa revelação está no livro Sobre formigas e cigarras, do ex-ministro e atual deputado federal Antonio Palocci (SP), que começa a chegar às livrarias hoje. Oito meses antes de ele deixar o governo (saiu em março de 2006, após o caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa), Palocci foi realmente sondado para ser o candidato do PT à Presidência da República, no momento em que Lula não queria ser candidato. “Os estragos causados pela crise ao governo e à imagem do presidente ainda estavam por vir. Mesmo assim, Lula sinalizava não estar disposto a disputar a reeleição”, relata o ex-ministro.

Palocci diz ter recusado a proposta e dito que, se o presidente não quisesse mesmo, que pensassem em Ciro Gomes. Especulações na imprensa também começavam a surgir e Palocci, então, convenceu-se de que sua vida iria se transformar num inferno. “Vão me botar no balaio da crise e vou virar pó”, afirmara.

De um jeito ou de outro, isso aconteceu, diz o ex-ministro. “Com o tempo, a história se desfez por si própria. Nem por isso deixaria de me tornar, nos meses seguintes, alvo de setores da oposição”. Para ele, houve “uma movimentação clara” para afastar do ministério o terceiro integrante do chamado núcleo duro dos primeiros anos do governo Lula. José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação) já estavam fora do centro do poder.

No carnaval do ano passado, ele diz ter sido procurado por uma “importante liderança nacional com mandato no Congresso” que lhe informou que ele seria o “novo foco”. Segundo esse interlocutor, o PFL e o PSDB avaliavam que se área econômica “não fosse atingida” nada iria “abalar o Lula”, argumenta Palocci.

Sobre a quebra do sigilo do caseiro, ele afirma que dois amigos o procuraram para dizer que “alguém teria vazado a informação com a intenção deliberada de me prejudicar”. O próprio ex-ministro, no entanto, afirma não acreditar nessa hipótese. “Ao contrário, desconfio de que quem o fez certamente tinha intenção de me ajudar, sem imaginar que estaria me colocando numa situação insustentável”.

O ex-ministro afirma ter recebido informações sobre o caso do então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, e também que técnicos do banco teriam alertado sobre movimentação atípica na conta de Francenildo. “Até hoje me questiono se não deveria, em função das previsíveis conseqüências de um vazamento, ter dado maior atenção e assegurado um cuidado redobrado com o fluxo daquela informação”, avalia. “Cometi falhas em setores que estavam sob o meu comando durante os episódios de 2006. Não dei a atenção devida a questões que pareciam corriqueiras”. Sobre as informações do livro, o Palácio do Planalto não quis comentar.

Trechos

CANDIDATURA PRESIDENCIAL
“Gilberto Carvalho veio me sondar sobre uma possível candidatura presidencial e a minha saída do Ministério da Fazenda...(...)”

QUEBRA DO SIGILO DO CASEIRO
“Desconfio de que quem o fez certamente tinha a intenção — ainda que completamente equivocada — de tentar me ajudar, sem imaginar que estaria, involuntariamente, me colocando numa situação insustentável”

JOSÉ DIRCEU
“É certo que tivemos, sim, muitas divergências e dificuldades durante o período em que ele ocupou a Casa Civil e o Ministério da Fazenda...(...) Cada vez que surgia um foco de tensão capaz de atrapalhar a nossa relação, tratava de ir pessoalmente ao seu gabinete, no Palácio do Planalto, para colocar abertamente o problema e discuti-lo. Funcionava”

“Houve ocasiões em que Dirceu e eu não conseguíamos chegar a um bom termo. Nessas horas, a saída era levar o problema diretamente ao presidente. Lula acompanhava as divergências e arbitrava quando julgava necessário”

FOGO AMIGO
“O vice-presidente, José Alencar, criticava as taxas de juros. O senador Aloizio Mercadante já demonstrava alguma insatisfação com a política monetária. Nas bancadas do PT na Câmara e no Senado, o descontentamento também era grande”

PRIMEIRA REUNIÃO COM FMI
“Nossa estratégia para a primeira reunião com o FMI buscava alcançar três objetivos distintos. O primeiro seria convencer o Fundo de que o governo brasileiro não abriria mão da sua autonomia para estabelecer a política econômica — mas, em contrapartida, traria para si toda a responsabilidade pela adoção das medidas duras que se fizessem necessárias”

HORST KOHLER
(ex-diretor do FMI e hoje presidente da Alemanha)
“Quando estiveram no Brasil para o primeiro contato com a futura equipe econômica, os técnicos do FMI retornaram simplesmente estarrecidos. Fizeram um relato muito pessimista. Apostavam que o novo governo patinaria feio e sequer saberia como lidar com a crise”

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