sábado, 24 de março de 2007

Minas Gerais: o poder mata sem piedade

O rosto que não se esquece

O respeito às leis em Minas já saiu de moda há mais de uma década, foi substituído pelo poder político e econômico Divulgação

O rosto que não se esquece Belo Horizonte, 06 de agosto de 2000. A modelo Cristiana Aparecida Ferreira, de 24 anos, era encontrada morta num flat luxuoso da capital mineira, a poucos quarteirões do Palácio da Liberdade.

Ao se espalhar, a notícia sacudiu o então governo do Estado, a estrutura de poder entrava em polvorosa, porque Cristiana, além de muito bonita, freqüentava a roda de poder mineiro, do Legislativo ao Executivo passando pelas poderosas empresas estatais como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Sua presença no Palácio da Liberdade era freqüente.

Seu corpo só foi descoberto dois dias depois de sua morte, que, de acordo com o laudo, ocorreu por envenenamento.

Porém, segundo relatos dos primeiros peritos que compareceram no local, a cena do crime não tinha qualquer semelhança com este tipo de morte. Segundo empregados do flat, o cenário contaminado por detritos, fruto da reação do veneno no intestino humano, foi cuidadosamente limpo antes de a perícia chegar.

Evidente que a limpeza da cena do crime só foi possível com a cumplicidade da administração do flat. Esta prática jamais foi investigada na procura dos autores e responsáveis pela “limpeza”.

Os indícios e provas foram sucessivamente desaparecendo. A sucessão de erros no andamento do inquérito foi permanente, até mesmo páginas de depoimentos sumiram.

A agenda do celular de Cristiana, encontrado junto a seu corpo, continha um total de 118 números, dos quais, 68 pertenciam a figurões da política e da economia mineira. O mesmo celular registrava que nas últimas horas de sua vida, Cristiana realizou 23 chamadas, entre elas, para a Casa Civil do governo de Minas e para a Cemig.

Dois dias antes da data presumida como de sua morte, Cristiana ligara três vezes para o gabinete do presidente da estatal, Djalma Moraes, que na época esclareceu: “a moça levava recomendações da Casa Civil do governo e queria pedir favores para os irmãos Cláudio e Eduardo que trabalhavam na Cemig”.

A início, o envolvimento amoroso da modelo com autoridades mineiras foi ventilado como possível causa de sua morte, uma vez que era público a insatisfação das esposas de dois de seus namorados.

Jamais estas esposas foram chamadas a prestar esclarecimento, mesmo se sabendo que uma delas era portadora de enorme dependência química e descontrole emocional.

Ao ser convocado, o atual ministro Mares Guia compareceu pelos fundos à sede da Procuradoria Geral do Ministério Público Estadual. Poucos minutos depois, entrava também pelos fundos o ex-procurador-geral da República, Aristídes Junqueira.

Chegou bravo, repreendendo os promotores que tinham intimado Mares Guia, em clara demonstração de intimidação.

A presença de Aristides Junqueira, considerado na época o paladino da justiça, já que acabara de sair da Procuradoria Geral da República, demonstrava claramente que o andamento das investigações da morte de Cristiana jamais chegaria ao final apresentando a verdade.

Na véspera de sua morte, baseado em informações da portaria do flat, Cristiana chegara sozinha, embora a contradizer esta afirmativa conste na escrita do estabelecimento hoteleiro que ela, às 21h30 pedira jantar para dois.

Consta ainda que no dia seguinte, tomou café da manhã sozinha e pouco depois das 11h encomendou um almoço para casal.

Fez algumas ligações, a última às 14h30, assinou um cheque para pagar a conta e marcou horário com sua manicure.

O garçom que serviu a última refeição à Cristiana e a seu acompanhante daquele dia, jamais foi localizado para depor.

Mesmo diante do laudo que apontava como causa da morte “envenenamento”, prevaleceu a inacreditável afirmativa que o flat, empresa contratante do garçom há vários anos, não sabia onde encontrá-lo.

A autoria das alterações na cena do crime jamais foi investigada, assim como não foi investigado o “sumiço” nas folhas de depoimentos constantes do inquérito.

A perversa e criminosa estrutura de poder montada em Minas arrastou suas instituições para o descaminho.

Para os poderosos que hoje ocupam o poder em Minas Gerais, a vida da filha de um aposentado da Cemig nada vale se comparada ao possível “transtorno” causado por uma investigação a uma socialite.

Mesmo que esta socialite tenha publicamente um comportamento muito pior do que aquele que na justificativa ao abandono, quiseram atribuir à Cristiana.

A “elite” mineira chegou a ponto de manter um andar de um hospital com heliporto, da região do bairro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, como “Zona Livre”, para atender com eficiência e sem incômodo as “autoridades” mineiras que ali comparecem com overdose.

Atropelamentos por criminosos embriagados são considerados “erro de adolescente sem juízo”, desde que ele faça parte da atual “elite” e a vítima seja filho ou filha da classe média, ou menos favorecida.

No caso de Cristiana, onde até mesmo o ex-governador Itamar Franco era considerado suspeito, a apuração do crime deveria ter sido transferida para a Polícia Federal (PF), que não teria qualquer vínculo de hierarquia, ou subordinação com as autoridades mineiras envolvidas.

Há poucos anos, o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, teve que se explicar ao Congresso por ter tido relação sexual com uma estagiária.

Em Minas, a elite aproveita de sua posição para “conquistar companhia”, depois se incomodada, à assassina.

A falta de escrúpulo e a certeza de impunidade da atual classe dominante mineira chegaram a tal ponto, que desde a morte de Cristiana por suicídio ou assassinato, o “San Francisco Flat” passou a ser mantido pela Cemig, ainda presidida por Djalma Moraes, que ocupa quase que a totalidade de seus 22 andares de luxuosas instalações com seus funcionários, ou executivos que passam por Belo Horizonte, a um custo de quase R$ 1 milhão por mês.

É necessário que a sociedade mineira reflita um pouco mais sobre o que está ocorrendo, pois estamos institucionalizando o crime em Minas Gerais.

Onde estão as representantes dos movimentos femininos, a comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, as deputadas estaduais, federais e vereadoras?

Não indagamos pelo Ministério Público, pois sabemos onde ele está!

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