Será que a China deveria ser tratada de forma diferente porque ela pode não ser tão rica, no final das contas? Essa é uma das questões centrais levantadas pelos novos cálculos do Banco Mundial, sugerindo que a economia chinesa pode não ser tão grande como se pensava anteriormente.
Alguns economistas fazem questão de discutir se os novos dados são mais precisos que os anteriores, mas outros sustentam que eles retratam a imagem de uma China mais pobre, que justificaria uma revisão dos esforços ocidentais para mudar as políticas monetárias da China.
O Banco Mundial divulgou dados preliminares, que recalculavam o rendimento econômico de 146 países, incluindo a China, depois de excluir diferenças em preços internos e moedas.
Os cálculos da chamada paridade do poder aquisitivo, que compara o poder de compra de cidadãos de todo mundo, situou o rendimento da China em aproximadamente 40% a menos que estimativas anteriores do banco.
Os cálculos ajudam a explicar como os trabalhadores chineses conseguem equilibrar seu orçamento ganhando de US$ 100 a US$ 250 por mês em fábricas que produzem para exportação em Shenzhen. Os alimentos, de uma parte, são baratos; um grande prato de arroz com legumes, carne e outros ingredientes num restaurante de Shenzhen pode custar apenas 50 cents.
Ruas elegantes, mesmo em cidades do interior como Chongquing agora têm lojas vendendo capas Burberry e outros artigos de luxo para uma elite industrial emergente. Mas os novos cálculos do Banco Mundial dão ênfase ao fato de a China continuar sendo, no geral, um país pobre.
O chinês médio tem uma renda econômica -PIB per capita- no valor de US$ 1.721 (algo em torno de R$ 3.090), de acordo com os baixos preços de mercado da China. Isso corresponde ao poder de compra de alguém que gaste US$ 4.091 (cerca de R$ 7.340) em produtos e serviços avaliados segundo os preços de uma economia industrial -um nível de consumo que representaria pobreza para um norte-americano.
O Banco Mundial alerta que não calculou seus dados como um guia para valores monetários. Mas os novos números de certa forma reforçam a alegação da China de que sua moeda, o iuan, não está perigosamente desvalorizada e não necessita ser elevada drasticamente em relação às moedas ocidentais.
Jeffrey Frankel, professor da James W. Harpel em formação de capital e crescimento em Harvard, tem sido um dos mais diretos defensores da valorização do iuan. Ele citou os cálculos anteriores do Banco Mundial sobre poder de compra para justificar sua posição.
Frankel admitiu em uma entrevista por telefone, na última quinta-feira (20), que os novos dados do Banco Mundial não têm a força de prejudicar esse raciocínio. "Eu teria que escamoteá-lo com base nos números mais recentes," ele disse.
Mas Frankel afirma que muitos outros indicadores mostram que o iuan está subvalorizado e deve ser permitido que seu valor aumente.
Ele citou o imenso e cada vez maior superávit comercial da China, suas reservas monetárias em alta constante, especulações de mercado e uma nova valorização do iuan -ele já subiu 5,9% este ano- e sinais de que a economia chinesa possa estar se superaquecendo com a grande alta nas exportações.
Alguns economistas, incluindo o ex-diretor da divisão de China no FMI (Fundo Monetário Internacional), questionam se o Banco Mundial não foi longe demais agora na direção contrária e exagerou os preços na China. Embora descreva a estimativa como um importante passo na realização de comparações internacionais de economias, ela indica que o banco levou em consideração principalmente as ricas cidades chinesas nas províncias litorâneas, com grandes indústrias exportadoras.
A renda econômica da China em 2005 foi avaliada em US$ 2,24 trilhões (algo perto dos R$ 4 trilhões) em preços correntes e taxas reais atuais de câmbio. Esse é o cálculo mais comumente usado por economistas e o melhor indicador da capacidade de um país de comprar e vender uma variedade diversa de produtos comercializados internacionalmente, como petróleo, aço e computadores.
O Banco Mundial havia calculado anteriormente que a produção da China estava avaliada em US$ 8,8 trilhões (R$ 15,8 trilhões) em 2005 se os bens e serviços produzidos no país eram avaliados com base em preços norte-americanos. Tal dado foi revisado para menos esta semana, para US$ 5,3 trilhões (quase R$ 10,5 trilhões).
Questionando os dados
O banco descobriu que os preços da China estavam mais próximos dos níveis mundiais do que se havia presumido. Então os economistas do Banco Mundial calcularam que a paridade do poder de compra da economia chinesa também estava mais perto do valor do mercado do câmbio.
Mesmo com a revisão, a China ainda é a segunda maior economia mundial em termos de paridade de poder de compra, depois dos Estados Unidos. Em taxas de câmbio do mercado, a China também fica atrás do Japão.
Eswar Prasad, que foi o chefe da divisão de China no FMI até janeiro e agora é professor sênior em política comercial em Cornell, descreveu os cálculos do Banco Mundial como um "esforço heróico".
Mas ele manifestou apreensão quanto à forma usada pelo banco para levar em consideração as diferenças de preço entre as áreas rural e urbana e entre as regiões da China.
O banco usou dados que o Banco de Desenvolvimento da Ásia obteve da Agência Nacional de Estatísticas da China, que de sua parte colheu dados nas regiões administrativas de 11 das cidades mais prósperas.
O Banco Mundial calculou preços para os três quintos da população que vivem nas áreas rurais usando os preços correntes em áreas agrícolas nas periferias das 11 cidades e administradas por tais cidades.
Embora o banco tenha feito alguns ajustes, Pradad questionou se os números finais ainda avaliam a maior a média dos preços rurais em todo o país. Isso poderia subestimar o real tamanho da economia chinesa.
"A idéia de que a China é subitamente uma parte muito menor da economia mundial deve ser considerada com um imenso grau de cautela," ele disse.
Mas Prasad reconhece que o Banco Mundial precisava atualizar os números sobre a paridade do poder de compra para a China. Os dados do banco haviam sido baseados anteriormente em preços primeiro calculados por dois economistas chineses em 1986 e apenas grosseiramente atualizados pela inflação desde então.
Frederic A. Vogel, economista do Banco Mundial, que supervisionou os cálculos sobre a paridade do poder de compra, disse que o cálculo "depende da pressuposição básica de que os preços das áreas rurais das 11 áreas administrativas são representativos da China rural."
Mas ele observou que a maior parte dos países, incluindo os Estados Unidos, mede os preços principalmente nas áreas urbanas, portanto as comparações internacionais ainda são válidas.
Vogel também disse que o Banco Mundial tem pleno conhecimento de que as diferenças regionais nos preços na China são mais amplos que em muitos outros países. Ele observou que os números divulgados na segunda-feira eram preliminares e poderiam ser sujeitos a uma nova revisão no inverno (do hemisfério norte). Mesmo assim, acrescentou, "os dados que nós fornecemos desta vez realmente estabelecem uma referência."
Os cálculos mais conhecidos de paridade de poder de compra além daqueles do Banco Mundial são feitos na Universidade de Pensilvânia. Alan Heston, professor emérito de economia na universidade e co-diretor do grupo que monta as estatísticas, disse que os dados da universidade para a China ficaram ligeiramente abaixo daqueles da estimativa antiga do Banco Mundial e bem acima dos novos números.
Mas Heston adiantou que a universidade está revisando seus números e provavelmente os rebaixará. O cálculo revisado vai mostrar que a economia chinesa é no mínimo tão grande quanto o calculado pelo Banco Mundial e é bem possível que maior, ele disse.
A Agência Nacional de Estatísticas da China preferiu não comentar os cálculos do Banco Mundial. Mas o governo sustenta há anos que a China é mais pobre e economicamente mais frágil do que o sugerido por muitos analistas ocidentais.
The New York Times