domingo, 9 de dezembro de 2007

Na cama com Guido





As negociações da CPMF e a condução da economia fazem com que uma pilha de livros se acumule no criado-mudo do ministro da Fazenda, que mostrou sua casa e falou de sua rotina à coluna

Sentado na cama de seu quarto, em Brasília, que está desarrumada e parcialmente coberta por um edredom branco, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, mostra a pilha de livros que está tentando ler nesta semana turbulenta. São 8h da manhã de quarta, 5. O governo, encurralado pela oposição, corre o risco de ser derrotado naquela que é considerada pelo presidente Lula "a batalha de todas as batalhas" do ano -a aprovação da CPMF.




"A Vitória de Churchill", de Michael Dobbs, é um dos atuais livros de cabeceira do ministro. Ele está lendo também "Cinzas do Norte", de Milton Hatoum. Mas, "quando as coisas se complicam, eu leio este aqui, ó!": "O Príncipe", de Maquiavel. "E, quando estou nervoso, leio este!", diz: "Junho de 1941 - Hitler e Stálin", de John Lukacs.



O assessor do ministro, Ricardo Moraes, fica preocupado. "Não, este aí não deixa fotografar não, ministro!". "Por quê? Não posso ler?", diz Guido, divertindo-se com a tensão do assessor. O livro relata o confronto entre Hitler e Stálin e mostra como o ditador russo, confiando no líder nazista, ignorou todos os avisos recebidos de seu serviço secreto e foi surpreendido pela invasão das tropas alemãs, desencadeando algumas das mais sangrentas batalhas da 2ª Guerra Mundial.



No criado-mudo do ministro da Fazenda, entre os livros, é possível ver uma caixinha do tranqüilizante Rivotril.



Os conflitos brasileiros, de qualquer forma, são de administração relativamente mais fácil que os da 2ª Guerra. E Guido, naquela manhã, teve até um tempinho para, gentil, mostrar a casa em que mora. Cercada por muros e portões de ferro, ela virou um símbolo por abrigar os ministros da Fazenda, como Pedro Malan e Palocci.
Eliane, mulher de Guido, deu "um trato" na casa, que tem quatro quartos, clareando o ambiente e levando móveis novos para lá. Os dois ainda moram em São Paulo, para onde o ministro volta nos finais de semana. Quando isso não acontece, Eliane, que é psicanalista, viaja para a capital.



Na quarta-feira, como chovia, Guido caminhou na esteira que instalou em seu quarto antes do café da manhã -invariavelmente mamão, pão com requeijão e suco de laranja. Na hora da refeição, os assessores fazem a ele um resumo das principais notícias dos jornais. "Tem hoje um editorial defendendo o Paulo Skaf [presidente da Fiesp, que faz campanha pelo fim da CPMF]", diz Ricardo Moraes. O ministro não reage. "E o "New York Times" fez matéria dizendo que os brasileiros estão voltando para o país." "Ah, essa é muito boa!", diz.



Skaf virou o inimigo público número um do governo. Já o ex-ministro Adib Jatene, da Saúde, é o herói, especialmente depois que discutiu em público com Skaf afirmando que rico não paga imposto no Brasil. Jatene defende a taxação das grandes fortunas e disse a Skaf que enquanto "vocês", os ricos, não concordarem com a medida, "têm que pagar" a CPMF. Guido lembra que o governo já tentou aprovar lei taxando as grandes fortunas, em 2003. "Não passa no Congresso", diz. "Se mandarmos de novo o projeto, é capaz de só o PT e o PSOL ficarem lá defendendo."



Um assessor interrompe o café da manhã: "O senador Romero Jucá [líder do governo] quer falar com o senhor antes que o senhor atenda o senador Jefferson Pérez (PDT-AM)". No caminho do ministério, Mantega fica pendurado ao telefone com senadores e ministros. Jonathan Wheatley, correspondente do jornal inglês "Financial Times", o espera no gabinete para uma entrevista. Quer saber como serão os próximos três anos de Lula. Os gastos vão aumentar? A carga tributária vai aumentar? "Se a economia cresce, a arrecadação aumenta", responde Guido. "As 200 maiores empresas lucraram este ano 45% a mais que em 2006. O lucro dos bancos aumentou 90%, para R$ 18 trilhões". Trilhões? "Desculpe, bilhões. Estamos tão bem que eu já estou com megalomania aqui!" Depois da entrevista, o ministro recebe executivos do UBS Pactual.



Como foi a transição de uma carreira acadêmica (Guido dava aulas na FGV) para uma função em que, para aprovar a CPMF, é preciso negociar um cargo para o filho do senador Romeu Tuma (PTB-SP), por exemplo? "A gente aprende tudo na vida. Eu trabalhei quatro anos no governo da Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo [como diretor de orçamento]. Eu já negociava com o parlamento. E a aprovação de cada projeto era um parto. Eu não parava de trabalhar. Eu já tenho alguma escola." E a negociação de cargos, verbas? "Eu não vou responder isso. As negociações estão em curso e estão indo bem." Os conflitos de Brasília, segundo o ministro, "são normais numa democracia", onde grupos defendem "interesses específicos, regionais e até escusos".



Guido Mantega diz que "existe um lado difícil" na cidade: "São os ataques. Muita gente não gosta de mim. Os conservadores não gostam de mim. E eles têm espaço na mídia. Eu não sou conservador. A verdade é esta".



O ex-ministro Antônio Palocci é conservador? "Não acredito. Ele tomou medidas necessárias num determinado momento. Provavelmente hoje não tomaria." O ex-ministro Pedro Malan é conservador? "Prefiro não falar. Eu o conheci como um sujeito progressista." O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é conservador? "Pergunta pra ele." Guido logo emenda: "Eu acredito que não. A política monetária hoje é acertada". O governador José Serra é conservador? "Eu acho que não. Temos afinidades técnicas." O ministro explica que conhece Serra há 30 anos, e "o Meirelles eu conheci mais recentemente. "Tô" criando uma amizade".



O clima leve da manhã vai dando lugar a uma agenda conturbada. A senadora Roseana Sarney telefona. A ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, telefona. O ministro José Múcio, das Relações Institucionais, telefona. Lula chama para um despacho. "Eu tenho que ir."



O ministro afirma que costuma chegar em casa depois das 23 horas. Diz que não se angustia com a solidão. Nem acha a cidade "tentadora", como reza a lenda. "Para mim, Brasília é uma cidade de trabalho. Eu não tenho interação com a cidade. E você foi à minha casa. É testemunha: não tinha ninguém debaixo da minha cama."

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