O ex-deputado, ex-senador e ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima (PSDB), será julgado por tentativa de homicídio no Tribunal do Júri de seu Estado, e não pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi tomada, ontem, pelo próprio STF. Por sete votos a quatro, os ministros concluíram que, ao renunciar ao seu mandato de deputado federal, Cunha Lima perdeu o foro privilegiado e, por isso, deveria ser julgado pela Justiça comum. O julgamento foi polêmico porque Cunha Lima renunciou às vésperas de o processo chegar ao plenário do STF para decisão final. Com isso, perdeu o foro privilegiado e forçou o envio do processo à 1ª instância, de onde irá tramitar até o STF. A renúncia gerou protestos do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, que chamou a atitude do político paraibano de "escárnio à Justiça".
Cunha Lima atirou em seu adversário político na Paraíba, o também ex-governador do Estado, Tarcísio Buriti, em 5 de dezembro de 1993, num restaurante em João Pessoa. Desde então, conseguiu protelar o julgamento por ter foro privilegiado. Na época, ele era governador e tinha direito a foro no Superior Tribunal de Justiça. Em 1994, Cunha Lima foi eleito senador e passou a ter foro no STF, a partir de 1995, quando tomou posse. O problema era que, em 1995, era preciso autorização do Senado para que ele fosse processado. O Senado demorou quatro anos para analisar o caso e negou essa autorização em 1999. Mas, em 2001, o Congresso aprovou emenda retirando essa necessidade de autorização. Com isso, o processo chegou ao STF em 2002. Barbosa colocou o processo na pauta de 5 de novembro e Cunha Lima renunciou em 31 de outubro passado.
No início do julgamento, em 5 de novembro, quatro ministros (Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau) mostraram disposição de passar por cima da renúncia de Cunha Lima e julgá-lo. Eles entenderam que a renúncia foi realizada para "driblar" a competência do STF e evitar o julgamento final. Mas, dois dias depois, os ministros foram alertados de um fato novo: os advogados de Cunha Lima pediram para que ele fosse julgado pelo Tribunal do Júri em 20 de setembro passado. Eles alegaram que a Constituição prevê o julgamento pelo júri no caso de crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, inciso 38). Isso fez com que Eros Grau mudasse, ontem, o seu voto. "No meu modo de ver, isso altera integralmente. Não houve manobra processual", justificou Grau.
Para Barbosa, este pedido não mudou a situação. Ele argumentou que Cunha Lima poderia tê-lo feito desde 2002, quando o caso chegou ao STF, mas deixou para as vésperas do julgamento.
Peluso foi além e acusou que, caso o STF permitisse o envio do processo à 1ª instância, outros parlamentares poderiam fazê-lo. Ele sugeriu que isto poderia acontecer inclusive com o caso do mensalão, processo que está no Supremo porque alguns dos 40 réus são parlamentares. Mas, se eles renunciarem na véspera da decisão final, o caso pode descer para a 1ª instância, mesmo depois de o STF ter feito todo o trabalho de instruí-lo. "A vingar a tese da defesa (de Cunha Lima) vai suceder que iremos entregar a causa instruída para o Tribunal do Júri. Isto poderá se repetir num processo em que haja 40 réus e que seja da competência desta Corte porque alguns têm prerrogativa de foro." A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha seguiu o voto de Barbosa. Britto manteve o seu.
Mas, os ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Alberto Direito, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ellen Gracie entenderam que a competência para o caso é do Tribunal do Júri. Eles ressaltaram que a Justiça da Paraíba não precisa fazer toda a instrução novamente. "O Judiciário não tem culpa pela demora no andamento do processo", afirmou Marco Aurélio. "Ao STF cabe constatar o fato de que não há ação penal dirigida contra deputado, mas contra cidadão comum".