segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Abu Ghraib fica no Pará



Não é preciso ir ao Iraque para encontrar tortura

Guerras transformam homens e mulheres em animais. No Iraque, na prisão de Abu Ghraib, imagens de celular chocaram o mundo em 2004. Americanos torturavam e humilhavam presos iraquianos, nus em pirâmides humanas. Em Abaetetuba, no Pará, onde não há guerras, homens se comportaram como animais numa delegacia.

Torturaram e estupraram uma menina franzina de 15 anos durante um mês.

Um vídeo de celular, com imagens grotescas, chegou ao jornal O Diário do Pará. Mas nada será divulgado. Antes, o jornal tenta comprovar se o vídeo é verdadeiro e se a menor é mesmo L.

O drama de L., uma adolescente de 1,42 metro de altura e 42 quilos, indignou o Brasil. L. não é um caso isolado. Vexames vividos por mulheres em presídios de vários Estados mostram que a barbárie está espalhada. E mulheres no poder pecam no mínimo por omissão. Precisam prestar contas à sociedade brasileira a juíza Clarice Maria de Andrade, que, segundo a delegada, nada fez para tirar L. da cela, embora soubesse de tudo desde o dia 7 de novembro; a delegada Flávia Verônica Pereira, que fechou os olhos às atrocidades; e a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que deveria saber o que anda acontecendo atrás das grades no Estado.

A seguir, as violações dos direitos fundamentais na história de L.
■ A mãe de L., Franciléia, não conseguia um emprego nem criar a filha
■ L. sumiu, ninguém a procurou, o pai vive com outra. L. se viciou em drogas e começou a se prostituir aos 12 anos
■ L. foi presa em 21 de outubro por tentar furtar um celular; não tinha documento
■ L. afirma que todos na delegacia sabiam que ela era menor
■ Por ter 15 anos, ela deveria estar numa instituição para menores infratores
■ Mesmo se fosse maior e estivesse numa cela feminina, não teria por que continuar presa durante quase um mês numa delegacia. O furto nem sequer fora consumado, e ela não estava armada
■ Os pais de L. não foram informados da prisão
■ L. foi presa com 20 homens adultos
■ Os presos confiscaram a comida de L. para obrigá-la a fazer sexo. Cortaram os cabelos de L. com facão. Queimaram com cigarro a sola dos pés de L. e seu corpo. Surraram L. com pau de vassoura
■ Moradores sabiam que L. era seviciada, mas silenciaram por medo e apatia. A delegacia fica de frente para a rua
■ A juíza foi informada de tudo e recebeu pedido de transferência no dia 7 de novembro. Mas nada aconteceu até a denúncia do escândalo pelo Conselho Tutelar, no dia 21 de novembro
■ O Conselho não encontrou a adolescente na delegacia. Policiais mentiram, dizendo que L. tinha fugido
■ L. disse ter sido ameaçada de morte por três policiais, caso contasse o que sofreu. Eles teriam mandado L. “desaparecer”
■ L. foi largada no porto pelos policiais e se escondeu num barco, onde foi encontrada pelo Conselho Tutelar
■ O delegado-geral do Pará, Raimundo Benassuly, disse que L. era maior de idade, como se isso justificasse sua prisão numa cela com 20 homens
■ Em audiência no Senado, na terça-feira, o delegado disse que L. “certamente tem alguma debilidade mental”, como se isso tornasse o episódio palatável. Não seria o oposto?

Além de demolir a delegacia, o que o Brasil fará para evitar, no presente e no futuro, histórias de vida como a de L.?


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