terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Lucidez


Bom senso de Lula faz o governo rever receita e analisar despesa, roteiro que fortalece a economia

Apesar de ainda fustigar os senadores do PSDB e do DEM pelo fim da CPMF, e ele tem o direito de fazê-lo já que todo o embate com a oposição e os dissidentes da base aliada, no Senado, foi político, em essência, o presidente Lula é quem mais tem mostrado equilíbrio sobre como sair do problema sem confusões. E com poucas mudanças.

Não se deixou agir por impulso, embora esteja muito contrariado, e afirma não querer tomar “nenhuma medida precipitada”, como disse no domingo. Sua primeira providência é saber com exatidão quais as seqüelas sobre o orçamento de 2008 abruptamente esvaziado de R$ 40 bilhões em sua provisão de receitas, conforme a estimativa do que o governo deixará de arrecadar com o fim da CPMF.

É isso mesmo o que ele tem de exigir de seus auxiliares. É óbvio que a perda de R$ 40 bilhões terá impacto, mas visto em preto e branco tal quantia equivale a apenas 5,8% da receita que foi estimada no projeto de Lei Orçamentária Anual, LOA, de 2008. É impossível, diante de tamanha arrecadação, R$ 683 bilhões, cerca de 24,9% do PIB, e subestimada em 5%, por aí, que não haja nenhuma despesa para racionalizar — já nem se diz para cortar. Qualquer orçamento admite um corte de 10%, pelo menos, em qualquer tempo.

Não se dá a devida conta também de que este regime tributário foi montado para extrair receita máxima em situação de economia fraca, a constante dos últimos 19 anos, desde a vigência da Constituição de 1988. Se a economia se aquece, a carga tributária explode. Anos de aceleração do PIB, como 1986 (Plano Cruzado), 1994 (Plano Real) e desde 2005, início do atual ciclo de crescimento, foram os de expansão recorde da receita tributária. E assim continuará.

As alíquotas praticadas, o perfil de alguns impostos e o prazo de seu recolhimento pelo contribuinte turbinam a arrecadação quando a economia doméstica dispara, já que incidentes sobre a produção e a circulação de mercadorias. Pior: em cascata, o que potencializa a receita, se for contribuição tipo Cofins e CPMF, e não imposto, o caso do IPI e IR. Há receita adicional a ser apurada na LOA acima da estimada pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda.

A volta por cima
O relator da Comissão Mista do Congresso que analisa o orçamento, senador Francisco Dornelles, já encontrou R$ 21 bilhões, sem ter inflado as premissas de PIB, câmbio, juros e inflação. É provável que haja mais receita, se a economia repetir a evolução deste ano, 5% de crescimento. A carga tributária só tem crescido, ainda que com alíquotas estáveis, pois se sustenta em tributos feitos para evoluir acima do PIB. Lula está certo em esperar. Ele pode sair por cima da peça que lhe pregou a oposição, porque há consistência fiscal para isso — apesar de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teoricamente o especialista fiscal, se mostrar exaltado.

Ditos desditosos
Lula tem sido um contraponto de bom senso a Mantega, que parece não entender bem o seu papel e o da Fazenda, assim como o ritual legislativo para tirar o governo do córner político. Quem bate na oposição é o presidente, mas sem fechar as portas. Mantega disse que iria tirar a LOA do Congresso, providência não amparada pelo rito legislativo. Anunciou que o ajuste fiscal exigiria cortes em programas sociais e investimentos, o que não é garantido.

Depois negou ter dito que outro tributo nos moldes da CPMF seria reeditado, com alíquota menor que os 0,38% da finada contribuição, 0,2%, dotação integral à saúde e baixado por medida provisória.

Governo menos blasé
A esta altura importa mais mostrar ao presidente que o aumento de importações vai dar novo impulso à arrecadação. As importações são tributadas, enquanto a maioria das exportações é isenta. Só em São Paulo, a receita fiscal aumentou 40% este ano devido ao ICMS sobre as importações. Quanto desse efeito já está previsto na receita da LOA de 2008? O fim da CPMF força o governo a ser menos blasé com o gasto público, o que até ministros acham salutar. Qualquer cálculo equivocado, no entanto, levará à majoração estouvada dos impostos, e aí o risco é atiçar a inflação e enfraquecer o crescimento.

O presidente não tem que perder tempo com a busca de saídas para a CPMF. A primeira providência é receber, sem que dourem a pílula, a estimativa mais realista da arrecadação tributária para 2008. A tradicional subestimação de receita — não, pelo menos, do governo, talvez do Congresso —, já não se faz tão necessária.

A segunda é exigir de sua base aliada, que foi tratada com afeto e não entregou a CPMF, rapidez no tramite das duas únicas medidas fiscais do PAC: a limitação do aumento da folha do funcionalismo a 1,5 ponto de percentagem do PIB a cada ano, e não 2,5 como alguns líderes da base aliada sugerem para fazer andar este projeto, e o regramento do reajuste do salário mínimo com base no crescimento anual do PIB per capita. Se fizer isso, estará mais à vontade para aumentar alíquotas do IOF ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido da banca, como estuda a Fazenda. E só, porque já é muito.

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