No total, os acordos a serem firmados com Cuba devem ultrapassar meio bilhão de dólares. Já está acertado um pacote, no valor de US$ 623 milhões, para o financiamento de infra-estrutura viária e rodoviária, no qual a empreiteira brasileira Norberto Odebrecht é a principal interessada. Para a indústria químico-farmacêutica estão previstos outros US$ 50 milhões, além de US$ 45,6 milhões de investimentos na área de infra-estrutura hoteleira. Outros US$ 100 milhões são previstos em acordos na área de alimentos. As negociações devem se estender até a chegada de Lula. Os acordos serão anunciados em Havana, amanhã.
No fim de semana, brasileiros e cubanos ainda discutiam pormenores da participação da Petrobras na exploração de petróleo em águas profundas no Golfo do México, um antigo sonho de Fidel que se transformou em novela, mas também deve chegar ao final com a visita de Lula. Politicamente, apenas uma das medidas a serem anunciadas pode caracterizar o sucesso da viagem: a decretação do fim do teto de financiamento imposto aos agentes de crédito em relação a Cuba, outra herança dos tempos da Guerra Fria.
A medida e os acordos a serem anunciados por Lula colocam efetivamente o Brasil na relação dos países que desafiam o embargo imposto pelos Estados Unidos a Cuba, como fazem Canadá, Holanda, Espanha e, é claro, a Venezuela de Hugo Chávez. Até chegar a esse ponto, o governo do PT e o Partido Comunista Cubano (PCC) percorreram um longo caminho, ao longo do qual se construíram relações políticas e afetivas que não tiveram uma correspondência na magnitude esperada pelos cubanos com a eleição e a posse no Palácio do Planalto de um presidente considerado de esquerda.
A primeira viagem de Lula à ilha de Fidel Castro ocorreu no início dos anos 80. Era uma viagem do PT e na comitiva também estavam o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, então secretário de relações internacionais do PT, entre outros. Na ocasião, entre planos de chegada ao poder no Brasil e baforadas num legítimo charuto cubano, o PT e o PCC assinaram um protocolo de cooperação entre os dois partidos. Dezenas de militantes foram a Havana, nos anos seguintes, para fazer cursos de formação política na universidade Nico Lopes. Eram militantes selecionados para constituir a elite dirigente do partido.
Do lado brasileiro, desde antes da redemocratização havia futuros militantes petistas engajados em causas como a criação de comitês pró-Cuba e o reatamento das relações entre os dois países. Pelas relações até então existentes, quando Lula assumiu, os cubanos imediatamente avaliaram que haviam conseguido no Brasil um aliado de peso para enfrentar a grave crise que se instalou no país com a retirada dos subsídios da antiga União Soviética - Cuba passou por uma séria recessão entre 1989 (ano da queda do muro de Berlim) e 1993. "Não se queria nada de extraordinário, mas uma coisa consistente", conta um dos sócios da comunidade cubano-petista da época.
A recuperação econômica de Cuba começou a partir de 1994. Em 2005 e 2006, o Produto Interno do país (PIB) cresceu, respectivamente, 8,6% e 10,15% (estimativa). Mas não se pode dizer que o Brasil teve nessa recuperação o papel "consistente" que era esperado pelos cubanos.
Cuba recebeu com entusiasmo o primeiro embaixador designado por Lula: o ex-deputado Tilden Santiago, que fora candidato derrotado ao Senado, mas era reconhecido na ilha como um militante influente na corte petista. Em seguida, a decepção: Santiago era mais afeito à vida social que ao batente. Sua festa de casamento em Havana, com carruagens e outros hábitos mundanos, chocou os socialistas de Havana e do Brasil. Os projetos que Cuba apresentou a Santiago não andaram. Um deles se referia à Petrobras. Nesse tempo, Hugo Chávez, muito mais atirado e no comando de um governo bem mais ousado, tomou a dianteira das relações, Canadá e União Européia entraram com firmeza na abertura feita por Fidel na exploração de petróleo no Golfo do México e a colaboração efetiva entre a estatal brasileira e Cuba foi se perdendo na névoa.
A mudança de guarda na embaixada brasileira em Havana, com a saída de Santiago e a entrada do experiente embaixador Bernardo Pericás, deu outro dinamismo às relações bilaterais. Os cubanos consideram Pericás mais ativo, alguém realmente do ramo da diplomacia, e avaliam que a burocracia já não emperra tanto quanto antes. O intercâmbio comercial ainda é muito pequeno quando comparado às expectativas que se criaram, mas vem aumentando: segundo dados compilados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2006 o fluxo comercial foi de US$ 375,4 milhões, um crescimento de 32% em relação ao ano anterior. A balança pende a favor do Brasil: as exportações brasileiras cresceram 40%, atingindo US$ 343,9 milhões, enquanto as importações diminuíram 19%, para US$ 31,6 milhões, no mesmo período.
A pauta comercial entre Brasil e Cuba, ainda de acordo com o perfil econômico traçado pela CNI, é bastante concentrado. "Os principais itens das exportações brasileiras são materiais elétricos e eletrônicos (20,8%) e açúcar (14%). Na pauta de importações brasileiras provenientes de Cuba, produtos químicos representam 81,4%." A ilha de Fidel hoje governada pelo irmão Raul é o 52º destino das exportações brasileiras, e Cuba se coloca como o 79º fornecedor do Brasil. Nas exportações de Cuba, em 2006, a Holanda foi o principal mercado (28% do total), seguida de Canadá (18%), Venezuela (10,7%), China (8,9%) e Espanha (5,4%). Entre os importadores de produtos cubanos, destacaram-se Venezuela (23,5%), China (16,7%), Espanha (9%), Estados Unidos (5,1%) e Canadá (3,6%).
O interesse cubano é equilibrar a balança com o Brasil. O dos empresários brasileiros, a segurança jurídica. O grupo Votorantim, por exemplo, está atento às reservas de níquel cubano, mas ainda analisa a extensão da abertura cubana ao investimento estrangeiro. De acordo com o Palácio do Planalto, o Brasil deve incrementar a exportação de alimentos para Cuba e financiar projetos industriais, químico-farmacêuticos, agroindustriais e de infra-estrutura. A renovação da frota de veículos cubana, que remonta aos anos 80, é uma oportunidade. A montadora Marcopolo demonstra interesse no setor de veículos para transporte público.
Na viagem de Lula será discutida a remodelação da infra-estrutura hoteleira do país - o setor de serviços, notadamente os segmentos de turismo e saúde, responde por 71,2% da composição do PIB cubano (a indústria, com 24,8%, está num distante segundo lugar). Chegou a ser anunciada extra-oficialmente a concessão de uma linha de crédito de U$ 400 milhões do BNDES. A mesma quantia, aliás, prometida na viagem oficial de Lula em 2003 e que não saiu do papel.