O Poder Judiciário iniciou um discreto combate aos donos de cartórios efetivados sem concurso público. Paralelamente a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 471/ 2005 na Câmara dos Deputados — que pretende deixar no cargo responsáveis por cartórios que estejam designados provisoriamente há mais de cinco anos —, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e um parecer do Ministério Público na semana passada mostram que o “trem da alegria” dos cartórios não deve se consolidar, apesar da articulação de alguns dos deputados pela aprovação da emenda. A primeira demonstração de que a Justiça não concorda com a ausência do processo seletivo previsto na Constituição foi dada no mês passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Por maioria, o órgão determinou ao Tribunal de Justiça do Paraná que exonere oito titulares de cartórios empossados sem concurso público e abra processo de seleção dentro de 60 dias. O CNJ também obrigou o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul a demitir os substitutos e aplicar as provas. Para tentar reverter a decisão, o governador do estado, André Puccinelli (PMDB), entrou com uma ação no Supremo Tribunal alegando que a realização de um processo seletivo acarretaria prejuízos ao estado. Mas, a tentativa do governador de manter os benefícios para donos de cartórios que não se submeteram à seleção foi fracassada pela decisão do ministro Eros Grau na última sexta-feira.
Grau manteve a obrigatoriedade de o TJ do estado realizar concurso público e destituir todos os titulares que foram nomeados sem seleção. No Mato Grosso do Sul, 108 dos 169 cartórios extrajudicais são ocupados por titulares. Em seu parecer, o ministro do STF afirma que toda nomeação feita após a Lei nº 8.935/94, sem prévia realização de concurso público, é “flagrantemente” inconstitucional diante do artigo 236 da Constituição e da jurisprudência do Supremo.
Parecer
No mesmo tom dos demais órgãos do Judiciário a favor de demitir quem não se submeteu à seleção, o Ministério Público Federal opinou pela inconstitucionalidade dos artigos nº 20 e 21 da Lei nº 14.083/2007, do estado de Santa Catarina. Os artigos permitem que funcionários substitutos assumam no lugar dos titulares em cargos de notários e registradores, sem concurso público. A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pelo Conselho Federal da OAB, no Supremo Tribunal Federal. O relator do caso é o ministro Eros Grau, que já ouviu o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), representantes da Assembléia Legislativa do Estado e da Advocacia-Geral da União. A decisão sobre o caso deve ser tomada no início do próximo mês.
Impacto nos estados
A decisão do Judiciário de demitir donos de cartórios que não se submeteram a concurso público terá grande impacto nos estados. Apesar de poucos tribunais de Justiça terem informações sobre a ocupação desses cargos, a Associação dos Notórios e Registradores do Brasil (Anoreg) calcula que cerca de mil pessoas ocupam as vagas de forma provisória há muitos anos.
No Maranhão, por exemplo, apenas 18% dos donos de cartórios (43 casos) são estáveis. No Amapá, dos 19 cartórios existentes, apenas quatro contam com oficiais titulares. Em três deles, o substituto tem o mesmo sobrenome do titular. No Rio de Janeiro, 14 donos de cartórios ganharam sua outorga sem prestar concurso público após a promulgação da Lei nº 8.935/1994, que regulamentou a Constituição de 1988. No Espírito Santo a situação não é diferente. Dos 336 cartórios extrajudiciais, 156 estão vagos ou ocupados por substitutos que aguardam a realização de concurso público para preenchimento das vagas.
No Mato Grosso, dos 238 cartórios, 69 contam com oficiais em caráter provisório. Desse total, apenas 23 substitutos estão há mais de cinco anos no cargo. No estado de Goiás, pelo menos 140 pessoas podem perder seus cargos se a justiça obrigar o Tribunal de Justiça a realizar processo seletivo. Na Paraíba, o número de demissões também deve ultrapassar 100, visto que cerca de 30% dos 400 cartórios estão sendo gerenciados pelos substitutos.