quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Serra exonera conselho que anulou multas


Serra exonera conselho que anulou multas
Governador afirma que decisões contra o rodízio de veículos eram estranhas; julgamentos em favor de motoristas podem ser revistos

Governo utilizou brecha legal para destituir os conselheiros; órgão de trânsito não atenderia resolução nacional



O governador José Serra (PSDB) destituiu ontem os 12 conselheiros do órgão que julga apelações de infração de trânsito e que vinha anulando as multas do rodízio de veículos.
A decisão publicada no "Diário Oficial" foi articulada com a gestão Gilberto Kassab (DEM), que temia a perda de credibilidade da restrição veicular.
Alguns advogados questionam a medida por temer que ela ponha em xeque a independência e a credibilidade do julgamento de recursos de multa.
O Cetran (Conselho Estadual de Trânsito) é responsável por avaliar, em segunda instância, a defesa dos motoristas punidos.

Desde agosto de 2007, a maioria absoluta dos conselheiros passou a anular sistematicamente todas as multas por desrespeito ao rodízio na capital paulista, independentemente do argumento utilizado no recurso, conforme revelou a Folha na semana passada.

A justificativa era a ausência de placas para sinalizar a área da restrição. Ela era defendida tanto por representantes de órgãos estaduais no Cetran, como Polícia Militar, Polícia Civil e Detran, como pelos de outras entidades ligadas ao trânsito.
O Estado utilizou uma brecha legal para destituir os conselheiros, cujos mandatos, de dois anos, só acabariam na metade de 2008. Alegou que a atividade do órgão estava irregular, em desacordo com uma resolução publicada pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito) em junho de 2007.

"Foi uma determinação minha. O Cetran tomou decisões absurdas em relação à questão do rodízio", disse Serra.
A resolução do Contran fixou novas diretrizes para a formação dos conselhos estaduais. Entre as novidades, a previsão de ter ao menos 14 membros (presidente incluído) e a presença de gente das áreas de medicina, ambiente e psicologia.
O texto definia 180 dias para a adaptação, prazo esgotado em 31 de dezembro. O ex-presidente do Cetran Renato Funicello Filho diz que a minuta com a mudança já havia sido encaminhada à gestão Serra, que nega.

Autonomia

Cyro Vidal, presidente da comissão de direito de trânsito da OAB, diz que a adaptação às diretrizes não deveria significar a troca dos conselheiros. "Mandato é para ser cumprido. O Cetran tem que ter autonomia."
Serra classificou de "estranha" a posição dos conselheiros de ver ilegalidade no rodízio dez anos após implantado.
"Numa linha de decisões muito estranha que, ao meu ver, só prestava um serviço: aos que instalam placas nas ruas que estavam muito contentes, porque iriam entupir a cidade de placas desnecessárias."
O governador disse que, após saber da anulação das multas para quem recorria, mandou "olhar" a atuação do conselho e detectou a "irregularidade".
"O governo poderia ter demitido independentemente disso. Porque são nomeações. Agora, esse fator, sem dúvida, deixou clara a necessidade", afirmou.
O Estado diz que os novos membros do Cetran devem ser nomeados em até dez dias. Já há contestações porque, na nova composição, foram excluídos integrantes do Detran e de município com população equivalente à de Campinas.
O secretário municipal dos Transportes, Alexandre de Moraes, afirma que a prefeitura irá pedir a anulação dos julgamentos do conselho a partir da data máxima para a vigência da resolução do Contran -que ele disse ser 21 de dezembro.
Além das multas de rodízio -as anuladas beiram 400-, o conselho também deferia recursos por infração de zona azul dentro do parque Ibirapuera -alegando não ser via pública aberta à circulação.
Moraes disse que espera do novo conselho uma posição diferente da que vinha sendo adotada. Se isso não ocorrer, ele afirma que vai à Justiça.
Serra também deu a indicação do que espera da nova composição. "Vai acabar essa história de cancelar multa a troco de motivos que não se justificam."
O conselho, pela lei, deve ter composição equilibrada entre poder executivo estadual, órgãos executivos e rodoviários municipais e entidades representativas da sociedade.
A idéia, segundo Julyver Modesto de Araujo, autor de livros sobre legislação de trânsito e que fazia parte do Cetran destituído, é garantir a pluralidade.
"A liberdade de convicção do órgão julgador é fundamental no Estado democrático. Se for para defender só os interesses de arrecadação e de punição, não é um órgão idôneo", diz.
O Contran informou ontem que os governadores têm poder de nomear e destituir membros do Cetran. Disse também que as diretrizes fixadas em 2007 foram só mudanças "sutis" nas regras que já existiam.



Surpresos, conselheiros criticam decisão


Eles souberam que estavam destituídos do Cetran ao chegar à reunião; decisão foi unilateral, disse uma conselheira

Nenhum dos conselheiros, entretanto, disse ter intenção de contestar a destituição ou esperança de ser reconduzido à função



Foi uma surpresa para quase todos os conselheiros que chegaram para a reunião semanal do Cetran: desde ontem, eles não ocupavam mais a função. Quase todos porque apenas um sabia da destituição: o delegado Renato Funicello, representante da Secretaria de Segurança Pública e presidente do conselho.
Ele estava com o "Diário Oficial" do Estado, periódico em que a decisão foi publicada, nas mãos. "Não vai ter reunião. Não tem mais conselho. Não sou mais presidente", afirmou.
Entre os destituídos, a maioria, de forma velada ou aberta, criticou a decisão do governo. Nenhum dos conselheiros, entretanto, disse ter intenção de contestar a destituição ou esperança de ser reconduzido.
"Esperava dele [governador José Serra] o que se espera de um democrata: que nos procurasse para conversar. Somos a favor do rodízio, mas com sinalização. Foi uma decisão unilateral", disse Olga Salomão, a mais exaltada. Ela representava os municípios com mais de 500 mil habitantes.

Indignação
Ainda que de modo discreto, os comentários denunciavam indignação. O clima era de um certo ar de velório, com cochichos no canto da sala.
"Maravilha. Quem mandou começar a atrapalhar?", disse a conselheira Márcia Monteira, representante dos proprietários de veículos. Ela defendeu o atual conselho como "órgão técnico" e desejou "lisura e transparência" aos próximos conselheiros. Eles ganhavam cerca de R$ 250 mensais por integrar o Cetran.
O representante da Polícia Militar, Julyver Araújo, disse ter dúvidas sobre a isenção do Cetran a partir da agora: ele disse deixar o cargo mantendo sua liberdade de convicção. "Não sei se o Cetran também mantém."
O representante do Departamento de Operação do Sistema Viário, Antônio Carlos Therezo de Mattos -autor do comunicado obtido pela Folha na última sexta- chegou por último à reunião, marcada para as 9h.

Ficar como está
Mattos é o único que acha que o rodízio deve ficar como está e atribuiu a destituição ao vazamento da informação sobre as votações à imprensa.
Enquanto Mattos atendia à reportagem, todos os outros conselheiros foram tomar café em uma sala anexa, onde funciona o gabinete do presidente.
Mattos saiu sem se despedir.


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