Estudo comprova que parlamentares acusados de envolvimento em escândalos tiveram desempenho eleitoral inferior à média dos políticos. A produtividade deles no Congresso também é menor
Pesquisa sobre o comportamento dos deputados federais com atuação entre 2003 e 2007 comprovou estatisticamente que o eleitor não é bobo. Soube aplicar o pior castigo para o mau político: o ostracismo. Levantamento acadêmico publicado com exclusividade pelo Correio revela que os parlamentares acusados de corrupção tiveram desempenho nas urnas bem inferior em relação aos demais. O estudo também confirma uma impressão. A conduta duvidosa de quem se envolveu em escândalos foi extensiva a diferentes aspectos do exercício do mandato. Foram os que mais faltaram, menos aprovaram projetos, se esquivaram da função de fiscalizar e gastaram mais durante a campanha de reeleição.
O trabalho do cientista político Lúcio Rennó se propôs a calcular a repercussão dos escândalos do mensalão e da máfia dos sanguessugas sobre integrantes da última legislatura na Câmara Federal. Entre outras coisas, descobriu que o veredicto do eleitorado nas urnas foi bem menos condescendente que o julgamento em plenário da própria Casa. Dos 628 parlamentares (entre deputados e suplentes) com mandato na 52ª Legislatura, 112 foram acusados ou citados em escândalos de corrupção. Desses, apenas 33 foram julgados pelo Conselho de Ética da Câmara. Quinze correram o risco de perdero mandato. E apenas oito foram cassados. Outros oito renunciaram.
Para muitos deputados, a impunidade teve fim nas eleições. Primeiro, porque os acusados de corrupção se candidataram em proporção bem menor (63%) que aqueles sem nenhuma ressalva durante o período (79%). Há uma diferença de dezesseis pontos percentuais entre os dois universos. Depois, porque os que tiveram coragem de pleitear a reeleição apresentaram êxito consideravelmente inferior em relação ao observado no grupo dos parlamentares ilesos. Dos 70 suspeitos candidatos à reeleição em 2006, um total de 28 conseguiu vitória, um aproveitamento de 41%.
No caso dos deputados com a ficha limpa, esse índice foi de 64%. (veja quadro). Em termos estatísticos, é uma diferença muito grande. Com ela é possível afirmar que o envolvimento em escândalo claramente influenciou as escolhas de carreira e na sorte eleitoral desses parlamentares”, afirma Lúcio Rennó, PHD em Ciência Política pela Universidade de Pittsburgh e professor do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação para as Américas da Universidade de Brasília (UnB). Ele acrescenta: “Quando teve oportunidade, o eleitor castigou os parlamentares corruptos”.
A pesquisa Escândalos, desempenho parlamentar e reeleição: a Câmara dos Deputados de 2003 a 2007, de autoria de Renoó, teve a participação de estudantes dos cursos de graduação em Ciência Política e Sociologia da UnB. Durante seis meses, o grupo reuniu dados e tabulou as informações. O levantamento foi apresentado no seminário internacional American Political Science Association, em setembro do ano passado.
Evolução
Ao repercutir o trabalho realizado pelo grupo de pesquisa de Brasília, o professor de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alberto Aggio considera que o levantamento desmistifica a visão de apatia do brasileiro com relação ao processo democrático das eleições. Significa um ganho de cultura política, ainda que seja modesto e relativo no que se reporta à valorização do voto. Existe uma tradição no Brasil de que as pessoas nem sempre dão valor à idéia de que as urnas têm importância. Mas, como se pode notar, o brasileiro não desprestigiou o dever da escolha”, avalia o historiador.
O cientista político Fernando Abrúcio, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, reforça a impressão de Aggio. Para o especialista, as informações levantadas sobre a Câmara demonstram que o eleitorado soube utilizar melhor a variável do escândalo e da ética no momento de escolher seus representantes. “O alarme de incêndio democrático não é perfeito, mas tudo indica que ele está melhorando”, considera Abrúcio.
Corrupção x Produção
Com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o grupo de pesquisadores comparou a média de gastos de campanha entre o grupo dos deputados envolvidos em corrupção e o dos não envolvidos. Quem teve o nome ventilado em escândalo gastou, em média, R$ 30 mil a mais para se eleger. O coordenador da pesquisa ressalta que, em termos gerais, o valor não é significativo, mas que quando observado a partir da realidade econômica dos estados mais pobres, a quantia pode ser considerada importante.
O banco de dados da própria Câmara foi a fonte para que os pesquisadores medissem comparativamente a produtividade dos dois grupos de deputados. Descobriram que os acusados de corrupção são também os mais faltosos, apresentam mais projetos, mas são os menos influentes na aprovação dessas propostas e não gostam de propor investigações.
As evidências foram constatadas a partir do cálculo da diferença entre as médias dos dois universos de políticos. As informações sobre todas as variáveis pesquisadas foram tabuladas deputado a deputado, somadas, divididas e comparadas. O resultado mostrou que a principal distorção (de 5.85) é com relação à prática de investigar. Os políticos citados em algum caso de corrupção se mostraram avessos à prática. “Deputados envolvidos em escândalos evitam claramente o exercício da sua função de fiscalização. Esse grupo de parlamentares tem pavor de investigação”, constatou o coordenador da pesquisa.
Memória
Legislatura complicada
A 52ª Legislatura da Câmara dos Deputados, eleita para o mandato de 2003 a 2007, foi considerada uma das mais vulneráveis de toda a história do Congresso Nacional. Diferentes escândalos mancharam a reputação da Casa. Os mais importantes, o do mensalão e o dos sanguessugas, apontaram a participação de deputados em esquemas de corrupção.
Em junho de 2005, veio à tona a partir de revelações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson (que teve o mandato cassado em função do escândalo) que um grupo de deputados recebia mesada para aprovar projetos de interesse do governo.
As denúncias contaminaram a cúpula do primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Caiu o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, que está entre os 40 denunciados à Justiça por suposto envolvimento no mensalão. Em agosto do ano passado, o Supremo Tribunal Federal abriu processo contra os acusados, transformando-os em réus.
Um ano depois de estourar o caso do mensalão, a Polícia Federal deflagrou a operação sanguessuga, segundo a qual foram desmascaradas fraudes em licitações para a compra de ambulâncias superfaturadas. A máfia dos sanguessugas virou tema de uma CPI na Câmara que recomendou a cassação de 72 parlamentares. O esquema era abastecido a partir do direcionamento negociado de emendas individuais ao orçamento da União.