"Neste mundo nada é certo, a não ser a morte e os impostos". A célebre frase de Benjamin Franklin, citada ao longo de décadas como um axioma que ajuda a explicar os reveses das economias, foi relembrado por analistas brasileiros. Em 2007, um conjunto de indicadores - entre eles produção industrial, investimento estrangeiro direto e Produto Interno Bruto (PIB) - apresentou crescimento acima do projetado por analistas no começo daquele ano e mudou o cenário para 2008.
O crescimento do PIB do ano passado - previsto em 3,5% no final de 2006 e revisto para 5,2% nas projeções do final do ano - foi uma das principais falhas da "bola de cristal" dos economistas. Parte dessa diferença, observaram os analistas ouvidos pelo Valor, resultou da mudança na metodologia de cálculo feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que elevou a base de 2006 de 2,9% para 3,7% e provocou aumento no indicador de 2007 em 1 ponto percentual. Mas a parte não prevista está, principalmente, na força dos investimentos em máquinas e equipamentos e na capacidade da indústria local em atender ao mercado interno, apesar das importações e do câmbio.
"Ainda assim o mercado foi surpreendido pelo forte resultado do terceiro trimestre, principalmente no que diz respeito à formação bruta de capital fixo", afirmou Leonardo Mello de Carvalho, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O crescimento foi de 14,4% no terceiro trimestre comparado a igual período de 2006 e de 12,4% nos nove primeiros meses do ano de 2007.
Os investimentos na renovação do parque industrial e os indicadores de atividade industrial acima do esperado foram responsáveis pelas diferenças mais significativas entre as projeções feitas no fim de 2006 e o efetivamente ocorrido. Na média das previsões do relatório Focus - divulgado semanalmente pelo Banco Central com base nas projeções de cerca de 100 analistas econômicos -, o investimento estrangeiro direto em 2007 vai ficar próximo de US$ 34,9 bilhões, ante previsão inicial de US$ 16,1 bilhões. A produção industrial vai crescer perto de 5,85%, quando a expectativa no final de 2006 era de 4% de alta em 2007.
"A atividade industrial foi um setor que surpreendeu positivamente", avalia Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Conforme Vale, os setores calçadista, madeireiro e mobiliário, que em 2006 tiveram perdas com exportação, ajustaram rapidamente sua produção para atender ao mercado interno e, com isso, cresceram acima das previsões. "A atividade industrial só não cresceu mais porque houve problemas no setor de construção civil em relação à oferta de cimento", complementa Carvalho, do Ipea.
"O que se esperava era um nível de atividade bem menor, com importações maiores e uma balança comercial menos favorável. O resultado surpreendeu, a despeito de um câmbio bem mais valorizado do que se imaginava", afirma Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores. Ele cita como fatores "novos" que surgiram e contribuíram para a mudança das projeções o repasse de preços nos produtos exportados - que colaborou para um saldo da balança comercial mais robusto que o projetado - e o aumento da produtividade. Pelos dados do IBGE, de janeiro a outubro de 2007, este indicador cresceu 3,8% na indústria. Para Faria, esse ganho decorre, em parte, da maior importação de matérias-primas, a custo mais baixo em função do câmbio.
Como os fatores estão relacionados, o aumento do fluxo de dólares no país ajudou a valorizar o câmbio acima do esperado. Dessa forma, o ano passado se encerrou com uma taxa de câmbio próxima a R$ 1,77, contra previsões em torno de R$ 2,25. "Por um lado o volume maior de investimento estrangeiro mudou a balança, mas por outro, valorizou o câmbio, o que ajudou a conter a alta da inflação no período", avalia Carvalho, do Ipea. Ele também cita outros fatores que colaboraram para a atração de investimento externo no país, como a redução do risco-país e a redução da taxa de juros em países desenvolvidos.
Já a expansão do consumo no mercado interno ficou dentro das expectativas dos economistas. O único fator de surpresa e que contribuiu para o aumento das taxas inflacionárias acima das expectativas foi a forte valorização nos preços das commodities agrícolas e dos alimentos. Os grupos foram citados como os principais responsáveis pelo aumento do IGP-M a 7,29% (ante previsão feita em 2006 de 4,29%) e do IPCA (que deve ficar perto de 4,35%, ante projeção anterior de 4,3%). "Os preços das commodities internacionais ficaram bem acima do esperado. O crescimento do PIB também mais forte acabou levando o Banco Central a parar o corte dos juros antes do previsto", afirma Giovanna Rocca, economista do Unibanco.
Para o ano que começa, as previsões dos economistas apresentam pontos convergentes, como em 2007. O fim de ano mais aquecido que o normal e a pressão nos preços provocada pelo grupo de alimentos levam analistas a apostarem em um ano com pressão inflacionária mais forte - as previsões variam de 3,8% a 4,6%. O Relatório Focus aponta para o IPC alta de 4,3%, mantendo o mesmo índice de 2007. Também há consenso de que o crescimento do PIB será menor do que no ano passado, com aumento entre 4% e 4,4%, em parte pressionado pela redução no ritmo de expansão industrial e pela pressão inflacionária. Parte dos economistas prevê valorização do real - em linha com o governo, que projeta taxa média de R$ 1,78.
Já o fluxo de investimento estrangeiro direto ainda é uma incógnita. "Ainda não há um cenário claro sobre a crise hipotecária de alto risco dos Estados Unidos e seu efeito na economia global", afirma Sério Vale, da MB. Outra incerteza é o desempenho fiscal, pois não foi definida a política para dirimir os efeitos do fim da CPMF, que retira dos cofres públicos receita próxima a R$ 40 bilhões. Outra frase célebre é lembrada para o atual cenário. Desta vez, do americano John Kenneth Galbraith: "a única coisa previsível numa organização é que sempre haverá imprevistos. O resto é apenas provável".