A crise das finanças públicas do Rio Grande do Sul cobrou um alto preço político da governadora Yeda Crusius (PSDB) no primeiro ano de mandato. Focada na tentativa de ajustar as contas e reduzir à metade uma projeção de déficit de caixa estimada no início de 2007 em R$ 2,4 bilhões (ante um orçamento de R$ 20,7 bilhões), cortou gastos de custeio e investimentos, tentou aumentar alíquotas de ICMS, anunciou que pretende revisar a concessão de incentivos fiscais e desagradou boa parte da população, dos empresários, da base aliada, dos servidores e até o Judiciário.
Em tese o governo conta com uma maioria relativamente tranqüila de 32 dos 55 deputados na Assembléia Legislativa, considerando as bancadas do PSDB, PMDB, PP, PTB e PPS. Mas mesmo para os parlamentares aliados, a ação do Executivo até agora tem sido mais "fiscalista" do que "desenvolvimentista" e alguns se queixam do "centralismo" de Yeda e de terem sido relegados ao segundo plano em decisões importantes. O DEM, do vice-governador Paulo Feijó, afastou-se da base porque foi contra a tentativa de aumento de impostos.
O descontentamento dos aliados já custou duas duras derrotas para a governadora: a rejeição de um pacote de aumento de ICMS combinado com contenção de despesas de pessoal em novembro e a aprovação, em dezembro, de um sistema de remuneração do Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual e Defensoria Geral do Estado, proposto pelos próprios organismos, que eleva os gastos com a folha de pagamento a partir de 2009. Neste último caso ainda cabe veto, ao menos parcial, entende o governo.
E a relação com os partidos pode ficar ainda mais complexa em 2008, quando as siglas com pretensões nas eleições municipais podem deixar a base aliada para se descolar da imagem do governo. É o caso do PMDB, que tem nove deputados e controla secretarias importantes como a Casa Civil e a Saúde, mas já se preocupa com a eventual contaminação pelo "desgaste" da gestão da governadora, admite o líder da bancada na Assembléia Legislativa, Edson Brum.
O PMDB vai concorrer em Porto Alegre com o atual prefeito, José Fogaça, que retornou ao partido este ano depois de ter sido eleito pelo PPS em 2004. Segundo Brum, dirigentes da sigla estão descontentes com o viés "fiscalista" do Estado, com o estilo "centralizador" da governadora e com o pouco reconhecimento às realizações da gestão anterior, do peemedebista Germano Rigotto. "Não podemos ser irresponsáveis, mas a relação com o governo será assunto da próxima reunião do diretório estadual (em janeiro)", afirma.
A governadora pretende promover uma reforma no secretariado até o fim do mês, mas em dezembro já perdeu o secretário do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, Nelson Proença, do PPS, que preferiu retomar o mandato de deputado federal e é cotado para concorrer pelo partido em Porto Alegre. Antes de sair, ele havia declarado que a prioridade ao ajuste das contas havia transformado o Estado numa "fábrica de más notícias" e estava atrapalhando a atração de investimentos privados.
Com nove cadeiras na Assembléia, o PP reconhece que o ajuste fiscal é necessário mas diz que ele não pode ser exclusivo e sente a falta de um projeto "desenvolvimentista" ao governo, afirma o presidente do partido, o deputado estadual Jerônimo Goergen. A sigla comanda quatro secretarias (Agricultura, Cultura, Ciência e Tecnologia e Secretaria Extraordinária de Relações Institucionais) e não cogita deixar a base aliada, mas o dirigente lembra que alguns deputados sentiram-se em "segundo plano" em votações importantes.
Governadora depende de Assembléia hostil para elevar impostos, cortar despesas e conter a folha
Para o deputado oposicionista Adão Villaverde, do PT, que tem dez cadeiras no Legislativo, a gestão de Yeda tem sido "fiscalista, conflitiva e paralisada". Segundo ele, a falta de "habilidade política para construir o consenso" coloca o governo sob risco de perder apoio e tende a submetê-lo a uma relação "no varejo" com a base aliada. "Esta característica, que se concretiza numa postura imperial e arrogante, interfere em todas as áreas de atuação do governo, gerando crise, intranqüilidade e mal estar", acrescenta o líder da bancada petista, Raul Pont.
A governadora, porém, costuma lembrar que foi eleita com a proposta de eliminar os sucessivos déficits do governo estadual, mas por enquanto isto lhe rendeu a deterioração dos níveis de popularidade. Uma pesquisa divulgada em dezembro mês pelo instituto Datafolha colocou-a na pior posição na avaliação dos governadores de nove Estados e do Distrito Federal. Numa escala de zero a dez, os gaúchos atribuíram a ela uma nota média de 4,2, sendo que 46% consideraram o governo "ruim ou péssimo" e apenas 16%, "ótimo ou bom".
Com os servidores a situação também não é das mais simples. O aperto do caixa obrigou o governo a negar reajustes ao longo do ano e a parcelar parte dos salários desde março. O depósito do décimo-terceiro só foi possível com recursos de um fundo formado com recursos da venda de ações do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), destinado ao pagamento corrente de parte das aposentadorias dos funcionários estaduais.
A opção inicial para contornar a falta de dinheiro era, assim como nos quatro anos anteriores, garantir parte do décimo-terceiro com empréstimos contratados diretamente pelos servidores junto ao banco, pagos depois em seis parcelas pelo Estado até outubro. Mas a partir de uma proposta do PT o governo resolveu sacar o dinheiro do fundo, mediante compromisso de repor os recursos no mesmo prazo e corrigidos pela taxa Selic, com uma economia de R$ 20 milhões em relação aos juros que seriam pagos ao Banrisul.
O governo conseguiu atravessar 2007 sem greves, mas a situação pode mudar no ano que vem. O Centro dos Professores do Estado (Cpers-Sindicato) votou a favor de uma paralisação a partir do início do ano letivo, a ser confirmada em nova assembléia em março. "Vamos começar o ano fazendo mobilizações para garantir reajustes", afirma o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Fessergs), Sérgio Arnoud. Segundo ele, a situação é mais crítica entre os policiais civis e militares.
Em 2008, os servidores também deverão resistir à proposta de reforma da previdência estadual, já encaminhada para a Assembléia, que prevê teto de R$ 2,9 mil para a aposentadoria dos novos funcionários e contribuição complementar para quem quiser receber acima deste valor. Hoje aposentados e pensionistas absorvem mais da metade da folha de salários do governo, que por sua vez corresponde a 72% da receita corrente líquida considerando-se todos os encargos.
Com o Tribunal de Justiça (TJ), a briga começou na definição do orçamento para 2008. O governo propôs uma dotação de R$ 1,34 bilhão, mas o Judiciário obteve liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) elevando o valor para R$ 1,41 bilhão e no fim foi fechado um acordo por R$ 1,36 bilhão. Atendendo a uma ação do PT, o TJ também determinou que o governo indicasse fontes para cobrir o déficit de R$ 1,3 bilhão previsto na proposta orçamentária original para o ano que vem. A saída, conforme o secretário da Fazenda, Aod Cunha de Moraes Júnior, foi acrescentar a previsão de receitas difícil realização, como operações de crédito e recursos do governo federal.